6.10.13

ZIMLER, Richard, TORDO, João

Zimler

            A par com João Tordo, Richard Zimler é autor que leio com gosto redobrado a cada novo contacto. O Último Cabalista de Lisboa, Meia-noite ou o Princípio do MundoOs Anagramas de Varsóvia e agora Goa ou o Guardião da Aurora são verdadeiras obras-primas, se comparadas com a algaraviada atónita e mal resolvida de portuguesinhos ensimesmados nos "rodriguinhos" da banalidade.
                Zimler apresenta uma escrita à qual eu chamaria filigranítica, uma vez que a filigrana da ternura que escorre do papel - os primeiros capítulos da obra que agora leio, suplantam tudo o que já vi vertido em palavras - é, simultaneamente, o granito das obras que encerram gerações de gente de fibra, sobreviventes em épocas de grande adversidade. Em paralelo, Tordo é a escrita escorreita, singela, directa e profundamente inteligente. Estes dois autores sabem contar histórias. Não deambulam, não se perdem em conjecturas (as loboantunianas roçam o execrável, erráticas como os desabafos de um louco sem destino) e os únicos que se perdem com mestria, na minha óptica, foram Proust e, nos nossos dias, Paul Auster. Avançam e tudo, absolutamente tudo é útil na economia da obra que avança como um todo, indefectível, um fio de prumo. Há ali uma honestidade comprometida para com o leitor que fascina qualquer mente que aprecie a clareza e o despojamento.
            Tendo tido a sorte de assistir a conversas dos dois autores, perpassaram a honestidade intelectual, a lucidez e a elevação, justamente desejáveis por não haver, ali, qualquer laivo de artifício ou populismo. É claramente o oposto do que impera no país, onde a verborreia para vender o produto, o fazer-se interessante inatingível e/ou o mostrar-se acessível no riso pacóvio,  a suposta cumplicidade com os leitores/clientes era escusada e se tornou anátema de provincianismos marcadamente lisboetas (reparei, em lançamentos de livros, na importância de pertencer ao círculo, adular, acreditar que é prestigiante porque alguém disse que é bom, porque o autor é difícil de ler). 
            Recordo aqui a podridão que grassa no meio literário: houve um concurso no qual participei, tendo ganho um senhor que - fiquei a saber pela acta publicada na internet - venceu porque, segundo aparecia na justificação (e atenção, este foi  o primeiro mérito apontado à escrita da criatura!) o autor tinha "um bom conhecimento da geografia europeia"!... O concurso não era, sequer, sobre suposta literatura de viagens! Definitivamente, eu  e  centenas de outros teríamos de ter amigos no meio, para poder vencer e viajar, vencer e viajar, vencer e reentrar no vicioso ciclo. Do I need to say more?...
             Como leitora,  fui particularmente deliciada com feitios mais densos e adorava as patadas de Torga e Saramago numa horda de jornalistas acéfalos que primam pela tentativa da previsibilidade, ou seja, tudo tem de estar decidido de antemão, eles odeiam ser surpreendidos. Creio, aliás, ser este um dos anátemas do reino da obtusidade e da abulia. É assim com os governos, com os supostos intelectuais, com os supostos cronistas do reino: detestam a originalidade a que hoje se chama em linguagem empresarial "to think out of the box". Até no meio editorial, ninguém "lhes" troque as voltas, ou terão de trabalhar mais e melhor, face a esse grande Adamastor que é o brilhantismo precoce num país revelho, caduco e invejoso. A propósito, leitor que ainda me escuta, algures: já reparou como o vate da Nação fecha "Os Lusíadas"?...

Beijos. Bom fim-de-semana.
               
             

2 comentários:

Anónimo disse...

Entrei aqui e não posso sair sem lhe dizer que continua incisiva e brilhante.
Cumprimentos.
José

IVA disse...

Olá, José!

Continua luminoso e gentil. "Ombra mai fu", ter assim amigos na sombra para clarear o(s) dia(s). Bem-haja pela generosidade de sempre.

Beijos!