3.10.10

lagutroP

Adianta muito ao José Pedro, nº14 do 7ºD, ter miudamente (na letra, não na ideia) escrito nome, nº e turma numa minúscula - porém bem visível - etiqueta branca no tubo de cola que lhe comprou a mãe nos idos de Setembro: a embalagem partiu pela base por excesso de torções, vertendo gota a gota a baba perfumada sobre outros materiais escolares. Jaz agora aqui, nesta sala 21 e em fim de dia já silencioso, sobre todo o lixo - que nenhum outro ser a que se possa chamar humano além da que aqui cronica a alma - põe nos ecopontos espalhados pelo recinto. Só eu uso aqueles recipientes, distribuindo neles papel, embalagens vazias e mágoa de pertencer a um país de ineducáveis. Nesta palavra, aquele outro senhor deu provas de que, afinal, sabia alguma coisa sobre a turba propensa aos balidos que alhures governou. Até o macaco Gervásio sabia separar lixos. Eu - enternecida a sós por crianças correndo em direcção ao fim-de-semana - enquanto desligo equipamentos electrónicos, envergonho-me da bandeira que, por estes dias, tantos louvam. Prostitutos sem Pátria!, digo eu ao povo que vendeu a Portuguesa Língua a veracrucianos que a escrevem com as patas, quer dizer, com licença, os pés. Afinfa-lhe, pútrida Pátria que nem de famous last words te fazes digna. Concordando ortograficamente e por decreto, uma massa de acéfalos prepara-se para espetar a farpa venenosa do descaso sob as próprias unhas, urgindo em mim laivos de fome por nova nacionalidade. Envergonho-me de ser lusa, porque nesses volteios de sepultura revejo o vate, Luís Vaz, mais insultado do que se sobre a sua efígie despejassem, ali mesmo nos Jerónimos, todos os esgotos de Lisboa e mais alguns. Afinal, Camões, estás vivo, mas as almas não rendem votos: esta nação meretrizada merece - como sempre, aliás, se disse - todo o mal que lhe aconteça. Não tem património, é inimputável (sendo, contudo, as quatro letras do meio sem qualquer acento!) e esmaga como se barata fosse a única coisa que a salvaria, ainda, da tormenta: a memória...

2 comentários:

Anónimo disse...

Relendo Jorge de Sena que descobriu, antes de nós, que esta coisa era imprestável, mesmo antes das tragédias dos PEC's e da choldra que nos governa.

Como pode um homem carregado de filhos e sem fortuna alguma
ser poeta neste tempo de filhos só de puta ou só de putas
sem filhos ? Neste espernegar de canalhas, como pode ser ?
Antes ser gigolô para machos e ou fêmeas, ser pederasta
profissional que optou pelo riso enternecido dos virtuosos
que se revêem nele e o decepcionado dos polícias que com ele
não fazem chantage porque não vale a pena. Antes ser denunciante
de amigos e inimigos para ganhar a estima dos poderosos ou
dos partidos políticos que nos chamarão seus génios . Antes
ser corneador de maridos mansos com as mulheres deles fáceis .
Antes reunir conferências de S. Vicente de Paula para roçar
o cu da virtude pelas distracções das sacristias escuras e
ter o prazer de acudir com camisolinhas aos pobres entre os quais
às vezes aparece um ou uma que dá gosto ver assim tão pobre por
por se lhe verem os pêlos pelos rasgões da camisa ou algo
de mais impressionante para o subconsciente que sempre está nos olhos
que docemente se comovem com a miséria . Antes ir para as guerras
da civilização cristã ou da outra , matar os inimigos da conta
[corrente
e das fábricas de celofânicas bombas. Antes ser militar.
Ou marafona de circo . Ou santo. Ou demónio doméstico
torcendo as orelhas dos filhos à falta de torcê-las aos filhos
da puta. Ou gato. Ou cão. Ou piolho. Antes correr os riscos do
DDT, das carroças que os municípios têm para os cães suspeitos
de raivosos como todos os cães que se vê não lamberem as partes
das donas ou mesmo dos donos. Antes tudo isso que assistir a tudo,
sofrer de tudo e tudo , e ainda por cima ter de aturar o amor
paterno e os sorrisos displicentes dos homens de juízo
que deram pílulas às esposas, ou as mandaram à parteira secreta
e elas quiseram ir. Antes morrer.
Mas que adianta morrer ? Quem nos garante que a morte
não existe só para os filhos da puta ? Quem me garante que
não fico lá, assistindo a tudo, e sem sequer poder chamar-lhes
filhos da puta, com o devido respeito a essas senhoras que
[precisamente
se distinguem das outras por não terem filhos nem desses nem
[dos outros ?
Mas mesmo isso não consola nada. A quantidade , a variedade
gastaram a força dos insultos. E não se pode passar a vida ,
esta miséria que me dão e querem dar a meus filhos, a chamar nomes
feios a sujeitos mais feios do que os nomes. Como pode um homem
sequer estar vivo no meio disto , sem que o matem?
E o pior é que o matam, sim, e sem saberem primeiro quem,
para não se inquietarem com o problema de terem morto por engano
um irmão , desfalcando assim a família humana de algum ornamento
que a tornava menos humana e mais puta.

Olá, Inês!
Que boa prova de vida!
O que aqui lhe deixo é um desabafo impublicável, aqui, só para lhe dizer que assino por baixo de ambos: do seu e deste do Sena.
Um abraço.

Anónimo disse...

Ao que chegámos: colonizados na Pátria de Pessoa...
José