22.1.07

Afloramento

A tua mão no meu peito, sustentando este baque acéfalo que te traz dentro, diz-me que estou viva. Escrevo sob o domínio dos sons que fluem sob o meu sorriso. Irradias-me os dias desde este dentro de caixa torácica. Tudo faz sentido desde o dia primevo. Para ti corria até hoje a água que sou. Em fogo, acolhes-me, braços abertos da calidez que me diga que avance. Misturo os sons com os prismas de cor da lágrimas felizes, ensalivo-te a boca sedenta de mim, profiro insanidades que te ericem tímpanos vibrantes: vives da minha voz, sei o poder que encerro; levo-te à loucura que me arrebate no fim. No amplexo descomplexado esvaio as horas já sem esperas, peço-te a morte, decisões, mãos em firmezas de últimos dias de vida, sangue e linfa, sal e mel, vidro moído e plumas, corro ao teu lado, a brisa perpassando-nos os corpos-ectoplasmas de homem e mulher cujo amor asfixiaram todos os olhos dos ímpios. Amo-te até ao devoramento devotado em lentidões de precisão-bisturi. Amo-te avassaladoramente. E quero-te por inteiro. Prende-me estas mãos de pulsos correndo céleres ao fio da faca: salva-me de mim, salva-me de mim, salva-me do mundo que me esmaga. Nasci aninhada no cheiro morno e agridoce dos teus braços, eu, o teu nicho, eu, a fêmea-total, a que se priva para ter, a que enlouquece quem a aprisione, a que sempre te fugirá para que a busques, para que te dê trabalho a conquista sistematizante, obsedée: nasço todos os dias, todos os dias renascerás comigo, levo-te dentro, aqui. Ama-me devagar e terás esse nirvana que eu, menina pequena e mulher sábia trago no âmago do meu centro, no mais profundo pico de montanha invertida, ali onde nascem flores azuis metileno deste fogo que me faz ígnea, branca, deslizante em gemidos de mais, quero mais... E já sabemos que és tu o culpado único deste crime: acendeste-me. Agora, alimenta o monstro sequioso que criaste, uma voz rouca que apenas cobre um tule negro com pequenas flores bordadas, fazendo sombras, as teias projectadas dos lugares por onde deves insinuar a tua boca quente e avara. Sofre comigo. De prazer igual.


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