18.6.06

Meio com retrospectiva (quase) à vista



As unhas mordidas, a pele seca, a língua sabendo a álcool, cambaleou até resvalar pela colina. O corpo foi-lhe descendo até tocar, ao de leve, um barco repousado no lodo. Ali aportou, roupas para sempre verdes, mãos, cotovelos e joelhos para sempre em tons de ocre. Os cabelos, pastosa amálgama, revelavam ainda um ruivo que não era seu: a pasta de sangue marcava o local onde a cabeça fora atingida com um remo. A causa da morte, hipotermia, era o perfazer do jogo de cores: um corpo cianótico há-de sempre ser uma irónica descoberta num país quente. Pela manhã abafada, aquela massa azulada e verde dava provas da amplitude térmica da ilha. A nuvem de mosquitos só se dissipou quando o cadáver foi coberto por um lençol. À medicina forense cabia agora separar as cores que envolviam toda a massa. Na sala inoxidável, a pele exporia todos os seus segredos pré-morte. Afastei-me, a apreensão marcando-me o rosto cansado. A cidade teria, enfim, mais um motivo para especular. Não é todos os dias que aparecem corpos de hermafroditas no cais...

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