2.2.06

Vieiro

Creio ser esse o nome da aldeia-berço. Ao folhear um livro, encontro provas de beleza pura. Desta vez, não terá sido alguém a ilustrar as palavras: a pintora havia já criado uma obra constituindo estilo definido, unívoco, aquilo a que se chame seu. O escritor - Nuno Júdice - criou o texto. «O Segredo da Mãe» é a história que o autor baseou na obra de Graça Morais. Vindas de dentro, algumas imagens colam-se-me à retina: A Idade da Terra, 2002 (Tinta-da-China e sépia s/ papel) e As Escolhidas IV, 1995 (pastel s/ papel). Numa, um tríptico de ensaios, esboça a gama possível de tons de ocre, lembrando-me uma mulher do Lago Turkana, esguia, contemplativa; na segunda, o suave fundo pérola recorta-se em azuis (Allô, AzulCobalto?) tão absolutamente hipnóticos que o corpo rendilhado da mulher de meia-idade e roupas campestres se transmuta num outro feérico, esgazeante, adictivo. Depois das imagens, sei que me prenderei às palavras. Sortilégios que a arte entretece, tessituras que enleiam, ensalivação quando o que é perfeito nos toca. A paisagem de legenda "Vieiro" faz-me entender Graça Morais. A telúrica aquosidade: a tela e as tintas deslizantes. O dom de pintar com cores. Eu, pintora com palavras, lida por dez (bom dia, fiéis amores de sempre!) não quis deixar este diário sem o registo que me trouxe ao corpo o arrepio perante o Belo. A arte supera o sexo. O corpo é perecível pedra-de-toque ; a tela e o papel são factos: sobrevivem-nos. Eis tudo.

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