Dizes-te com saudades do que (te)escrevia eu. Também eu tenho saudades de quem era. A escrita industrializou-se, agora que cada vez mais me fica nas entrelinhas. Há um como crime premeditado quando as personagens que trouxe à vida e releio me acossam pelas noites sem ti e me invocam, pedindo que as escreva, lhes dê essa continuidade de sangue em veias telangectásicas. Acedo, deito-me na costumeira narcolepse do "dormir depressa". Cada vez sou mais corpo e menos alma, mas só por fora, para quem não me vê com a luz que me aura os cabelos cada vez mais revoltos e fartos de tanta vida. Essa, a velha insuflada chama ainda me assusta, ainda me esgota, sempre me parecerá a mais. Que sentido faz o que quer que seja se tudo dói a mais e o prazer é a dor em paroxismo. Continuo a ser um "áparte". Sou esse parêntesis incompleto por nele estarem contidas tantas pseudo explicações... Que data me espera?...
(...)
Entretanto, uma história/fábula:
Anichado entre a quentura da cama e os seus medos, um menino pensava que era a recém-nascença de um gato escuro. De olhos amarelos, bebia as cores em volta como se tivesse a fome imensa dos que sabem mais do que o tempo lhes ensinou. Isto concluído, saltou como o gato que sabia já ter sido e empoleirou-se na estante mais alta, mirando a rua e o seu gelo fosco. Percebeu então que havia mais para ele do que o que queriam admitir tantos adultos com diagnoses avulsas: lançou-se abaixo, num exílio de desespero. talvez agora, que se partira em vários, o deixassem fluir no recreio frente ao largo que a casa abraçava: poderia, enfim, curar-se depois de curar-se osseamente. A neve em pedra esperava-o no lago coberto de folhas da cor da terra que sabia que também era. Assim se desfazem equívocos: começa-se pela base, esgaçando para desconstruir. Talvez então reparem que somos de pele e osso, como os pássaros e os gatos que não têm medo de estar vivos e por isso se lançam aos vazios todos que o ciclo a que chamam vida lhes põe no caminho, ou no céu, ou nas noites que ainda estão por dentro dos dias, contidas em germe no negrume que tudo traz dentro. Talvez o vazio seja o (re)começo, apenas. Bebamo-lo de um trago só, pois o nosso tempo é extremamente limitado, tal como é longo aos olhos da morte que nos espera, ávida e esplendorosamente bela. Baba-se de luxúria, a morte. Entreguemo-nos a ela, nós, o mortos dos dias que se seguem. Como o menino a fábula que se iniciou acima destas letras sabe que só no limite estará vivo: só isso lhe sabe a húmus.
I' caille, ici, merde alors...
Qu'i' fait froid, ohlala...
Faut qu'j'part'avant l'degré zéro, p'tain...
;0)
1 comentário:
Um só comentário... FANTÁSTICO! Acrescento que reli o post, a vontade era muita!
Vou recuperar no jantar que me espera, pois fiquei sem fôlego... de gato!
P.S. Foste adicionada no meu canto ignóbil, pois é de ignorância que se trata!
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