O Tempo dos Imperadores Estranhos, Porto Editora, 2006
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«Mira que te mira Dios;
mira que te está mirando;
mira que vas a morir;
mira que no sabes cuándo.»
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«(...) não podia deixar de admirar o seu negríssimo sentido de humor: o cinismo era a consequência, quase a obrigação, das mentes lúcidas para sobreviver.» (p. 13)
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«Arturo sabia que aquele pastor alemão o odiava, e sabia também que não havia maior castigo para ser nenhum, melhor forma de aniquilar o seu moral, que dar ao seu trabalho um carácter inútil, uma total ausência de sentido.» (p. 36)
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«O vapor que de repente brotou das suas bocas marcava a fronteira do país de Tanatos. Não era uma morgue normal, mas uma sala onde simplesmente não se tinha ligado o aquecimento.» (p. 48)
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«Seguiu-se um silêncio mais alto que um grito.» (p. 57)
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«As pressas são para os ladrões e os maus toureiros.» (p. 68)
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«(...) Santa Teresa avisava, desde há séculos, que as preces atendidas fazem correr mais lágrimas que as súplicas não satisfeitas.» (p. 79)
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«(...) as panelas vazias são as que fazem mais barulho, e o Führer mais não fazia que esvaziar as palavras de conteúdo e enchê-las de emoções, repetir mentiras uma e outra vez, até a sua cadência narcotizante fazer delas verdades (...)» (p. 92)
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«Todos os jovens querem mudar o mundo, e para isso é preciso inocência e paixão (...) sim, eles eram os bárbaros, como dissera Hitler num ponto do seu discurso radiofónico, os jovens bárbaros sem vestígios de cultura nem noções de História que iriam saquear e pôr fim a uma civilização.» (p. 94)
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« (...) se sentia irremediavelmente atraído por um episódio do passado, que recordava como quem passa a língua pelo buraco de um dente (...) » (p. 104)
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«A hipótese de se ver imiscuído numa luta de poder dava-lhe a sensação de que qualquer acção que empreendesse seria tão útil como apontar uma lanterna ao sol.» (p. 105)
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« - Ah, tu tratas-te bem. Eu comia um cozido daqueles, com chouriço, toucinho, morcela, entremeada... E depois uma sesta, seguida de actividade íntima entre adultos, e ficava no céu.» (p. 107)
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«Animou-se pensando que qualquer repreensão era uma demonstração primitiva de carinho.» (p. 12)
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«(...) outros iniciavam os trâmites do seu intercâmbio carnal, com toques que não são inocentes, porque o corpo, quando se toca, nunca o é, sonda sempre, fala, pergunta.» (p. 135)
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«Arturo conhecia bem este olhar. A cada instância, não deixava de o comover e de o aliviar. Porque a rapariga via o homem perdido que havia nele, e era assaltada pelo desejo de o salvar. Tratava-se de um profundo desejo feminino, que as incitava a ajudar os homens a revelar o mais terrível e incerto que havia neles.» (p. 135)
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«Não considerou propriamente transcendente saber se os seus actos foram improvisados ou planeados; na verdade, poderiam ter sido ambas as coisas, porque o que requer maior preparação é a improvisação.» (p. 138)
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«Optou por arrumar a lembrança junto daquelas coisas que, pela dor que seriam capazes de produzir, nos levam a perguntar se não teria sido melhor não as ter visto nunca.» (p.148)
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«Os fios soltos acabam por se enrolar à volta do pescoço, soldado, e nesta história há suficientes para nos enforcarmos os dois.» (p. 152)
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«Dispunha-se a desfazer a primeira impressão que havia causado através de uma atitude vigorosa e eficaz, mas deteve-se a tempo, compreendendo as vantagens de fazer valer o senso comum sobre o sentido do ridículo: a subestimação era sempre o caminho mais curto para o sucesso.» (p. 154)
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«(...) estava habituada a dominar, e sabia que todo o domínio implica desprezo (...)» (p. 211)
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«Os corredores eram rectos, sombrios, inacabáveis (...)» (p. 213)
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«Moveram-se pela sala esquivando corpos e mentes (...)» (p. 220)
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«(...) quatro chatarrões malnascidos que confundem a prisão de ventre com uma atormentada vida interior.» (p. 255)
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«Aquela mistura de sugestão e auto-engano, entre os quais cabiam centenas de matizes, conformava o estilo característico da propaganda nazi. Arturo sempre se tinha sentido impressionado pela capacidade dos seus alquimistas para alterar o valor das palavras e das imagens, o mesmo é dizer, para criar a realidade. Não obstante, reflectiu, o mérito e a responsabilidade não recaíam totalmente sobre os nazis, porque qualquer mentira desta dimensão não depende apenas da qualidade com que se mente, mas tem de haver gente com vontade de ser enganada.» (p. 258)
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«Arturo mantinha-se muito quieto (...), presenciando a sobrenatural química que cristalizava o desejo humano de capturar o tempo.» (p. 263)
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«(...) Com paciência tudo se consegue.
- A minha está-se a acabar – lamentou-se -, não sou nenhum santo.
- A paciência não tem nada a ver com a santidade (...)
- Então tem a ver com quê?
- Com a inteligência, com que havia de ser?» (p. 267)
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«Quando ficou só, procurou o Sol como se o tivesse perdido, e viu que este lutava por abrir passagem entre o véu branco que tornava opaco o céu.» (p. 267)
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«Após uns quantos passos, imobilizou-se, deixando que um vento ligeiro lhe acariciasse as plumas, até que abriu as asas e voltou a levantar voo. Tanta beleza no mundo, e tão poucas ocasiões para que aquela beleza coincidisse com um instante de paz.» (p. 267)
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«À medida que avançava a manhã, o Inverno ia descendo a âncora.» (pp. 284-285)
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«(...) o nevão despenhava-se em remoinhos de infinita vontade metamórfica.» (p. 299)
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«Arturo demorou uns momentos a compreender o jogo: o que complica a vida é a possibilidade de escolha.» (p. 301)
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«As horas que precedem a madrugada são as mais escuras.» (p. 314)
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«(...) o amanhecer progredia, dando ao céu a aparência de um bloco de opalescente claridade.» (p. 318)
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«Outro violento disparo de canhão fez tremer a sala, com a consequente chuva de pó de estuque e a dança esquizofrénica da lâmpada. Arturo não se quis demorar mais naquele ponto; há conflitos que só produzem derrotas. A lâmpada, num vaivém cada vez mais curto, voltou a parar.» (p. 326)
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(Transcrição publicada com autorização do autor)
www.ignaciodelvalle.blogspot.com
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