Fumo pela primeira vez. Tenho trinta e oito anos e quatro meses. Eram sete e quinze, momento histórico. Passa meia hora e não se me revolvem nem estômago, nem mãos em contrição... Na casa de família alguém mais novo abandonara um maço cinzento de SG. Por vontades sensuais, trouxe ontem comigo um cigarro, para sentir o que sentia um qualquer Marlboro man de canudo-papel preso ao beiço sensual como barco se ajeite sobre as águas. Aquele esmagamento do cigarro pendendo-me da boca deu-me um ar de Bellucci e brilharam-me os olhos de morbosidade: «Fica-me bem.», pensei. Nas mãos, na boca, no brilho dos olhos, no ar falsete dos fumadores que se julgam atraentes quando semicerram olhos por entre o fumo denso que sobe, reconheço-me fêmea, embora sempre tenha considerado ridículo quem quer que tivesse ou mantenha hábitos sociais de desculpa para estar, sentir, cultuar estilos, em fase oral freudiana não ultrapassada... Raios partam, raios partam, merdinha, pá: se fumasse, mais ainda haveria quem me rastejasse a estes pés gueixianos que se riem das regras da comunidade quando, descalços, pisam o chão que escolho eu. O quando, o onde, o como, «Que bem me fica a mim, a mim, raios partam... este apêndice a cair desta minha boca que é tua, com mil milhões de demónios!», pensava, enquanto travava fumo que já travara em ensaio, humedecendo o papel junto ao filtro com lábios sedentos de novos sabores agridoces. Soube-me bem, abriu veias, latitudes de prazer no corpo sedento de experiências além-trabalho, trabalho, trabalho! Partes que desconhecia do corpo fizeram-se nítidas: lembrei-me de ti! Agora, sabe-me a boca a ti: um sabor a papel perfumado, a madeiras de exotismo, a pecado, um misto de fundo de massa de pizza sabendo ao torrado do forno quente, o frutado dos teus beijos que me afogavam naqueles dias secretos em que, por ti, me fiz ousada até à surpresa destes olhos que se abriam ao abismo das lágrimas de gozo. Fizeste-me tu excessiva, ou recriaste em mim O monstro que agora te devora quando pedes tréguas, rindo do teu débito pulmonar, casquinado, arfante? «Raios te partam, homem, por quem me tomas? Estas noites não são para dormir», murmuro-te por vezes, enquanto te mordo a boca nimbada do cheiro do cigarro que te acendi eu mesma... Sejamos intelectuais (ou consumo-me na minha própria chama inclusa e mantida em fogo lento porque dá jeito ao conformismo que finjo aceitar): assumamos que não será este pequeno caos a minha incipiência favorita: transgredirei mais, ainda.
Sabes que mais? Não precisas de ensinar-me a fumar: da próxima vez, acendo na minha própria boca o cigarro que depois te colo aos lábios que terás de abrir para descerrar essa maxila de quem, sendo tão vivido, se deixa queimar por aquela a quem ensinou tudo o que sabe sobre as artes maléficas de ficar acordada toda a noite. Da próxima vez, um dos teus cigarros pertence-me. Tal como tu. Aposta ganha?... Sim, sou relapsa, admito. A noite já me corre nas veias e o corpo pede nova pele sob o fumo da tua boca tão pecadora como peregrina no mapa sem norte que eu sou. Despenteias-me... ou quê?
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= :)> (Mephistophélica!)
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