3.1.07

Templários

Um templo é redondo (embora não necessariamente por definição). Hoje estive-lhe dentro. Centrei-me sob o zimbório, um outro farol que traz Deus ao centro de quem sob a cúpula se entregue à contemplação. Ali, sob o candelabro - tinha laços dourados de metal e fascinou-me o brilho fosco, casquinado e fresco de riso-de-anjo-pequeno - agradeci como antes. Pés unidos, mãos em cruz, olhei para dentro de mim na vertical, como um cavaleiro jacente olha o firmamento. Voei na singeleza da hora. O frio trouxe-me o odor incensado do granito e todos os arcanjos com sinais de estranheza nos corpos me fitaram, estrabismo e dedos excessivos, plumas nos anelados dos cabelos. Ditosa, pedi nas minhas rezas e agradeci: Obrigada, Pai, pelo amor, mesmo o daqueles que não pedi, homens que cortejam, mulheres que tratam por igual; Obrigada, Pai, pelas Festas em família, pela paz, pelos risos da Inês («Tia, és a minha melhor amiga e eu adoro-te para sempre...») e dos outros mais pequenos que me provam que existes; Obrigada pela recepção que me fazem amigos, alunos, colegas, onde quer que eu vá o meu nome é música nas suas bocas; Obrigada pelo pão de hoje e de ontem; Obrigada por este novo dia; Obrigada por nos teres dado os que já não estão; Obrigada pelas sementes do meu corpo mesmo que eu não as use por ser outra a minha sina, pelos meus olhos, pelas minhas duas mãos, pelos ouvidos, pelo dom do trabalho. E priva-me do amor. E priva-me do amor. E priva-me deste amor que não te pedi. Limpa-me de mim. Liberta-me de mim, da violência de mim sobre mim. Esquece-me de mim. Obrigada ainda pelos amigos que a mim regressam*, por me teres feito sobreviver após o corte nos dois pulsos para que toda a ternura me inundasse neste dia que te ofereço. Sob o templo, eu, templária sem quaisquer méritos, agradeço o meu nome pronunciado pelas bocas de tantos amigos e honro, de novo, os nomes dos meus pais.
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*Hoje, a C. falou comigo depois de tanto tempo, mesmo quando a vida e a distância nos afastavam da ternura de quase-irmãs. Hoje, ouvi-lhe a voz igual, cálida e serena desde há quatro anos... No meu peito, tinha-a visto ainda ontem. Obrigada por não me teres mudado, Pai: ainda tenho cinco, seis anos e coloco sobre o ombro de amigos ternos o meu braço longo e que acalenta memórias irrecicláveis que me dizem que estou viva. E vale a pena. Seja feita a tua vontade, digo de mãos abertas, a direita sobre a esquerda em concha, como Sidharta Gautama. Morna e amaciada, reconforto-me entre as pedras da Tua casa.

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