7.7.06

Gosto dessa cultura, de todas: omnia res!



O sinuoso da letra que me fazia doer o pulso no seu movimento direita/esquerda - aprendi a língua e a sua escrita, sobrando-me hoje meia dúzia de perguntas e respostas de circunstância dos diálogos ouvidos em cassete - ; gosto das sonoridades musicais - do tempo em que fui "talibah" sobram-me algumas músicas gravadas, mas ainda não o raï, julgado pecaminoso pela minha jovem professora, uma árabe por casamento mais fundamentalista das ideias islâmicas do que muitas das estudantes que bem gostariam de ser apenas francesas; gosto das estritas regras religiosas, porque todos os cultos me fascinam, tanto mais quanto mais forem canónicos, radiculares, cerimoniosos - nunca entrei na mesquita mas não foi, definitivamente, por falta de curiosidade; gosto de toda a classe de indumentárias, odores, profundidade de olhares, o mistério, os livros islâmicos, o garrido da festa, os ululos das mulheres berberes em festa, a cumplicidade de gineceu entre as mulheres nos videoclips de música tradicional, o seu orgulho na tradição que lhes faz vibrar os corpos serpentinos e delgados. E amo, acima de tudo amo o azul cobalto das roupas dos tuaregues (on écrit "touaregs", je crois), a sua hospitalidade serena.
Também eu sonho com o esmagador silêncio do deserto. Também eu me centro quando oiço Maya Nasri (libanesa) cantar o seu Khallini Biljao, uma música com o seu quê de mozartiano nos violinos iniciais. Depois, o islamismo toma-nos por completo. Gosto do alaúde (est-ce qu'on dit le luth?), das vozes plangentes que são simultaneamente mais tristes do que o fado mas inigualavelmente mais festivas nos crescendos, sou toda da sinuosidade das notas buriladas nas gargantas, da graça dos corpos masculinos como femininos aos quais basta a ligeira ondulação graciosa, mesmo que reconheçam não saber dançar. Está-lhes, está-me no sangue. Sou céltica arabizada. Como não recordar M. Duras? A minha bandeira são todas as bandeiras da Terra.
Sou miscigenada. Da mesma forma leio poemas de Pessoa volvido em heterónimos e me identifico com todos, como o farei com qualquer poeta do planeta, talvez; provo os alimentos de outros e sabem-me a casa; oiço um comboio nos trilhos onde quer que esteja e sei-me em casa; todos os lugares são meus e sou de todos os templos. Verto sangue e lágrimas iguais aos de outros milhões. Anda o mundo todo inenarrável, embrutecido, irremediavelmente distraído...
Bon courage, les générations à venir!
Je vous aime déjà pour vos défis...
Que tous les drapeaux vous bénissent toujours,
enfants du siècle.

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