22.7.06

Cro-Magnon fêmea

Rua da cidade. À direita, dois cidadãos de Leste conversam em voz baixa, esperando alguém, serenos, altos, distintos mas ainda sem o contágio da vaidade da piolhagem nativa (tudo o que é minúsculo envaidece-se, regurgita basófia); à minha frente, caminha uma tarreca com madeixas embutidas até ao cerebelo, grossa de corpo e de modos, socos nos presuntos que lhe servem de locomoção, o barulho da cavalaria, leva vestida a camisola-batinha de cabeleireira da L'Oréal. Após uns passos, a criatura anafada que caminha com os braços a dar a dar afastados do corpo, qual varina sem a graça equilibrando a canastra, pigarreia uma vez. Pigarreia segunda vez, puxa desde o mais recôndito brônquio uma lusíssima escarreta, alto e mau som, envolve na língua, cospe fora com ímpeto, pespega no solo pátrio, acertando no passeio ao lado das patorras, abalando tudo... As minhas meninges agitaram-se na náusea, a alma nacional encolheu-se perante a sempiterna modalidade, esse anátema do "cuspir para o chão". Os cidadãos de Leste pararam a conversa, observaram-na com olhos semi-cerrados de cool cowboys que avaliam o búfalo e se perguntam se vale a pena o abate do animal, perplexos como só diante do capataz da obra que os minimiza porque são médicos mas agora quem manda é ele, porque tem a massa. Vê-se que ficaram incomodados. Discretamente, baixam os olhos indignados, retomam a conversa, imbuídos de choque civilizacional. Entro no café atrás da Cro-Magnon, imagino-a personagem de um livro, reparo nos seus ares superiores, os típicos dos bostinhas. Penso em Dâmaso, o tal d' "Os Maias", de Eça. Mais uma vez coro, procuro esquecer que afinal não sou de Leste, onde a escarradela não é uma instituição (já me dói o simples uso do petit mot com dois erres) . O dia continuou.
Creio que a L'Oréal poria com gosto no cadafalso quem ali lhe vestia a camisola. Também aposto que a matrona tem uma bandeira rubriverde na janela... Vale uma aposta?...

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