Fora do mercado, ela falava ao telemóvel havia uns largos quinze minutos. Deambulava, ondulando as ancas de adolescente, sem nada que a recomendasse: sem graça, gesticulando e falando alto de mais, dava-se uns ares da mulher que, eventualmente, será, à custa de outros. Os esgares de nojo, o enfado de tantos adolescentes que pensam estar-lhes o mundo devedor do facto de terem nascido. Quando a ombreei, dizia em voz alta:
« - Sim, sim... É assim... ela é minha amiga, mas não confio nela, percebes? É assim: neste momento, não confio em ninguém, nem sequer em mim mesma...»
Fiquei perdida em pensamentos, ao passar pelo grupo de seis adolescentes: o que não falava ao telemóvel ouvia músicas de um mp3. Em volta, as provas de que lá estiveram: lixo por todo o chão, cuspidelas sistemáticas (porque cospem tanto as miúdas de hoje, raios as partam?), escritos nos muros, um amontoado de palavrões que se nos colam à pele como uma gosma que o calor faz mais pegajosa.
São os mesmos que não se alimentam, não usam guarda-chuvas, passam todo o Inverno com o mesmo casaco de fato-de-treino, raramente tomam banho, experimentam de tudo, com todos e com todas, não transportam os materiais escolares, não fazem sentido na escrita, nas contas, não articulam, sequer, dois pensamentos com lógica, os mesmos que ligam para alguns colegas meus (os que, imbecis, dão o número pessoal) com frases como:
« - Como é, stôra?... Sim, como é?... Não houve reunião hoje?... E eu, passei? Dispenso o exame? Estudo ou não para o exame?... Em que ficamos?... Responda-me, que eu estou aqui à SUA espera!...»
Força, Alma Pátria! Estão reunidas as condições para nova carrada de indigentes mentais, abutres, filhos da estupidificação em massa, párias. Pão e circo. Anestesiados. Fúteis. Completamente alienados do que quer que os cerque, com a conivência de um bando de adultos que hão-de pagar todas as afrontas ao bom-senso. Sim, porque os miúdos - este tipo particular de miúdos - hão-de um dia acusar outros dos seus falhanços. Morrerão sempre inocentes. E estúpidos. Ainda mais predestinados para o falhanço do que já eram no óvulo, porque embrutecem, com o tempo, à medida que a realidade os vai placando, cilindrando, anéantissando.
Não comem para comprar maquinaria que nem sabem usar, sequer.
Não investem em conhecimentos e riem dos mais cultos.
Não têm qualquer noção de urbanidade, malgré a Educação Cívica nas escolas.
Não imaginam o que os espera, lá fora, no mundo real...
Eu, que sei o que os espera, observo na sombra, abrindo os olhos dos que se cruzam comigo nas minhas turmas: de os ter iludido nunca serei acusada.
The show must go on! - dizia Ziegfeld. Siga, pois, o baile: ainda não senti pisarem-me os pés. Logo se vê.
(Mas nada de amarguras: observo com serenidade, eis tudo. Cada vez com mais serenidade.
A cada um o seu Inferno retráctil. O meu tem dobras infinitesimais e cabe num canto da memória. Volto a dobrá-lo. Arquivo. Ya Rayah.)
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