27.4.06

Lost

Calor. Brisa marinha. Aves tresloucadas no céu. Areia no ar. Saias esvoaçantes, outras curtinhas, umbigos em ofertório, danças amalucadas nos relvados, shakirices mais entulhescas do que em casas suspeitas, ao som de músicas de telemóveis, as adolescentes enlouquecem os seus colegas de escola. Elas treinam coreografias, rebolam-se pelos solos verdes, mantêm conversas telefónicas com risos de tentadoras-natas. Eles, basbaques cujas línguas molhando os lábios lembram os anti-heróis de BD, aguando por uma aproximaçãozinha que seja, atordoam-se como seres irracionais, zonzos de tanta provocação.
Ainda há-de dar que falar esta moda da cueca visível, das cinturas descidas a níveis que envergonhariam os piores momentos de uma Roma decadente. Já nem há a elegância de ocultar alças de soutien: quanto maior for o contraste blusa/alcinhas, mais se está "na moda". O culto da banalidade, do rasca, das posturas mais suspeitas, das corridas atrás de alguém que depois persegue para palmadita nas nádegas, os cabelos repuxados, os gritinhos de histeria. Aos dez, doze? Nope! Até aos dezoito, vinte. Depois, a dolescência espraia-se até aos 'entas...
Hoje, não se trata de beijinhos nos lábios: quem quiser que aguente as visões. Passa-se num qualquer corredor e, a par com os mais grotescos fraseados, o calão da praxe - vindo mais do que nunca de mulheres com línguas de carroceiro - os beijos preliminares de coito, línguas em fúria, rostos amarrados com violência como se a distância não fosse a de dois meros pavilhões e fosse aquilo uma perigosa partida de naus, aviões de guerra, comboios de refugiados que nunca mais se verão. De onde lhes vem tal energia? Por que têm os mais recatados e mais singelos nas públicas demonstrações de afecto de suportar tais arroubos de desejo em paroxismos de bestiário de savana, urgências de langor reprodutivo? Fica-se a pensar, enquanto se recorda escola onde, no fim do dia - para isso lhes servem, hoje, os vivas à "liberdade" libertina - pouco faltava para que, sobre bancos de jardim, nas relvas, entre as moitas, à vista de quem quisesse, o coito se iniciasse. Mãos dentro de blusas, sofreguidões por aplacar, a total falta de noção das conveniências, as pinturas campestres de Brueghel, o Velho onde há pares afoitos em cada meda de palha em pleno campo. Hormonas apenas. E quem passa com isso?... Voltar o rosto, voltar o rosto, passar adiante.
Era eu adolescente haveria um, dois parzinhos que um funcionário mais "rígida figura paterna" era incumbido de separar à força de sermões e empurradelas. Hoje, a miudagem de dez, onze, doze anos obriga-nos a ver, ouvir, cheirar, quase sentir as suas manifestações de emergências corporais em batalhas campais que andam muito longe de inspirar ternuras e "os passarinhos tão engraçados". De nó no estômago, lá teremos de saber de mais uns grupelhos de miúdas que se matricularão carregando um bebé no ventre aos catorze, quinze ou menos. Outros casos há de abortos. Outros, talvez - os casos surdos até que os corpos disso apresentem provas - de infecções, doenças que contaminaram indelevelmente os nossos ainda menos do que adolescentes. Ficam boquiabertos quando lhes digo que a Educação Sexual nas escolas passará não por escolarização de comportamentos ou ensino de "colocação de x acessório", "alusão a y posições", "converseta sobre z taradice" mas sim uma noção englobante e não directiva de "saúde pública". Conversas abertas, no fundo, sobre o que é uma sexualidade consciente, responsável, sendo crescer assumir as responsabilidades pelos actos. Aceitar um não, saber se são aqueles o momento, a pessoa certa, dar azo a conversas que, com dignidade, não entrem no campo do "fácil" e nas quais prevaleça a noção de que com sentimentos pelo parceiro será muito mais proveitoso, mais fiável, mais potenciador de satisfação aos vários níveis.
A ternura, o carinho, as paixonetas dos "meus" miúdos fazem-me sorrir e piscar-lhes o olho com cumplicidade. A exposição pública de tórridas cenas de preliminares não deixa ninguém sereno. É impossível que alguém necessitando de mostrar aos mundo as suas performances emocionais ou sexuais seja socialmente feliz. Quando há um excesso, há algo mais em falta.
As mães deste tempo deveriam sentar-se e conversar sobre o que é preservar-se, respeitar a discrição dos que têm religiões mais repressoras e sofrem com a balbúrdia em volta, ensinar a estar em público sem provocar nos outros o constrangimento de ter de pedir uma trégua às fúrias dos corpos alheios. Trata-se de uma simples questão de contenção do que é excessivo. Algo de terrivelmente parasitário inundou todas estas multidões de miúdos. Não acredito na promiscuidade como factor inerente ao equilíbrio emocional. Será antes o contrário.
Sem cair nas frase repetida desde os gregos que insinua ser esta geração uma de "perdidos", o mais singelo bom-senso diz que tudo o que é de mais é erro, tudo o que é de mais é doença. Tudo o que é exagero toca raias de aflitivo.
De outras vezes - que se me perdoe a franqueza - o à-vontade dos "jovens" provoca ondas de náusea. Soube, há anos, de apostas feitas sobre actos de satisfação solitária em plenas aulas de colegas... Não sendo fervorosa católica, encolho-me ou insurjo-me com e contra tudo o que seja desequilíbrio, desordem, falta de noção das conveniências, falta de urbanidade. Tudo isto me lembra muito «O Despertar da Primavera» de Wedekind, em pleno expressionismo alemão. Aflige. Desgosta. Sabe-se que experimentar faz parte, mas que os excessos estão muito perto do caos. As interpretações a quem delas saiba. A mim, apenas chamo a perplexidade.
A exibição de metas sexuais será sempre factor de menoridade e prova de que - perante a comunidade escolar, profissional, blogger - haverá, pelo menos, uma, uma que seja grave lacuna na formação da calote de gelo emocional. Perante as "neves eternas", sobram as demonstrações públicas dos icebergues à deriva, com diminutos picos, face ao bloco imenso sob a superfície de águas calmas... Aos navios que passem, titânicos, os meus votos de boa sorte: a História é cíclica.
Quem, de posse de faculdades de senso comum poderá afirmar que aprecia o caos?...

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá, r.

Obrigada.
Espero que sim, que volte.
Se voltar, defina, por favor "bjokas" (isso não são aqueles beijos sonoros que só se dão ao namorado em privado?).
E se são "beijocas" (peço desculpa, mas todos os excessos de "beijos" além de "beijinhos" me provocam úlceras nervosas: odeio a massificação das modas), por que as diz "amigas"? Há "beijocas inimigas"?

Tudo o que possa ser escrito me intriga.
A intuição fez "tilt!". Não será do fraseado, mas conheço-lhe o ritmo, a pulsação do tom. Porque usa este nick "rosinha"?

Muito intrigante... mas divertido. Aposto que a "rosinha" é vólucre!

Hein?
Vá passando (se suportar as minhas ironias DoctorHousianas)!

:)

Anónimo disse...

a)A resposta não condiz com o blog, o que não refuta a opinião por mim formada antes;
b) "acusação" de homossexualidade: quem perde tempo com isso? Vive-se e deixa-se viver: há, no mundo, lugar para todos! Quando muito, seria útil fazer-lhe um questionário sobre o assunto, pois é sobre isso que tenho andado a escrever um conto. As pessoas assumidamente homo que conheço vivem em Lx e há dúvidas que (me) surgem sobre o assunto. Eu cá gosto muito da Monica Bellucci e não é por isso que fantasio com ela: o meu amor basta-me. De resto, a castidade está na moda e é-me natural;
c) até prova em contrário, está aprovada como comentadora.

Bom fim-de-semana, R.
:)

Anónimo disse...

Ah, não que importe muito o pormenor(zinho), mas... sim sim, "o meu amor" é "da outra espécie": a masculina espécie.


:D

Inês