21.3.06

Persistências

Os meus mais fiéis leitores são três 85.138. Um, é o **; outro, o **; outro ainda o ***. A estes amáveis curiosos não se aplicará, estou certa, o pior insulto que ouvi ser feito a um ser humano. Não, não se trata de desocupados(as), definitivamente. É gente com esperança na minha capacidade para o verbo. Serão, estou certa, diligentes chefes(as) de família, másculos(as) q.b., o que não obstará a que as crianças já tenham o banho tomado e a sopa meia-digerida, por estas horas. É pela noitinha, pelo ar fresco que melhor lhes sabem os meus singelos posts. Muitas vezes tenho formulado enigmáticos retratos-robot dos meus leitores. Estes três casos são paradigmáticos: quase poderia jurar que cigarros fumam, que chá bebem, que canais de tv consomem, em que lojas se vestem, que carros conduzem, que calão mais usam e se têm "muletas linguísticas" como "percebes", "querida(o)", "não é?", se têm ou não vida espiritual baseada em crenças.
A humildade leva-me a perguntar a estes botões que me descem pelo macio casaco azul-bebé o que atrairá tais devotos a este minúsculo blog... Não raras vezes, congemino estórias em que participam estes leitores. Um dos elementos (da feminina espécie) assemelha-se à incarnação humana de Miss Piggy e tem voz estridente (talvez ressone), fala alto ao telemóvel, lança com violência para trás cabelos tingidos de sol, vive sem peias, gosta do choque do que é histriónico mas esconde fragilidades que me entreterei a esmiuçar no romance que terminarei no Verão. Esta personagem - demasiado desequilibrada para existir e não passando de imaginação selvagem desta minha mente de private eye - gosta muito de rir nos entremeios da vida, mas tem esparsa dentição que, nos interstícios da boca rasgada, por sobre o triplo queixo deixa adivinhar vazios onde nem sempre brilham estrelinhas de Hollywood por pouco uso de fita dental e um certo desleixo com a saúde. Há qualquer coisa de pré-fabricado no seu riso, nos seus gestos, na sua atrozmente aparente segurança... É um ser pensativo, mas pouco concretizador; popular mas pouco denso no que toca a circunvoluções cerebrais; de afanoso empenho mas pouca visão para voos quiméricos. Terei de lembrar-me de lhe acoplar infinitesimais rasgos de sentimentos ou espírito e uns modos bruscos que alguns traumatismos sociais deixaram como marca indelével. Será esta a figura burlesca. E isto é uma ordem (!) ao meu amolecimento natural face à criação de antipatias dos meus futuros leitores pelas minhas personagens!
Já que sou escritora e nunca igualarei "uma" Agustina Bessa Luís, isto serei pelo menos: omnipotente, omnisciente e omnipresente! Farei da minha "Miss Piggy" um must da literatura ocidental (talvez até a faça arrotar em público), uma "Quina" duma outra "A Sibila", uma desvirtuosa Madame Bovary de Oeiras ou das Telheiras, uma Mata Hari que flatos sazonais assaltem nos mais inconvenientes marcos da sua vida. Convenhamos: ela tem futuro! Como outras personagens que criei, arrisca-se a suplantar-me na quantidade de dóceis sorrisos de admiradores, qual uma tartaruga que ultrapassa a lebre. Então, só me restará suspirar: Senhor, criei um monstro!...
Vá-se lá perceber os porquês do nosso subconsciente! É interessante o que me aflora às percepções da intuição. Gente assim não existe, o que não deixa de conferir aos seres que invento um travo a pitoresco.
Como surpreender (ainda) quem tão bem conhece a minha escrita? Ideias nunca me faltaram, sabe-se que não me custa escrever: custa-me parar.
Hoje, lembrei-me desta singela homenagem, eu, que detesto a Primavera e os seus arroubos de entusiasmo. Neste dia da Poesia e da Floresta, fica a homenagem, com a esperança de que sejam mais harmoniosos os meus reais leitores do que os homúnculos e camafeus que me salpicam o hemisfério da foice cerebral direita, a das percepções extra-sensoriais. Da próxima vez, lembrem-me, por favor, de não me divertir tanto com a espécie humana. Escreverei, então, sobre cadáveres e/ou vermes: serei taxidermista e/ou entomologista.
Perdoem-me, sim? Já regresso à normalidade. Sou ciclotímica: a Primavera altera-me as sinapses...
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