Sair do espectáculo, conduzir pela noite, vidros abertos sob a chuva miudinha que goteja no pára-brisas amorenando o meu rosto no retrovisor como um véu de sombras, um choro risonho, soltar os cabelos do estilete, ouvir o Barroco na 2, recordar o teu odor, a tua confiança extrema, na noite em que deitaste a cabeça no meu colo, o meu braço direito rodeando-te para chegar ao manípulo de mudanças. E conduzir devagar, o lado do teu rosto morno sobre o encontro das minhas coxas, o teu perfil que confia, olhos fechados, a minha mão nos teus cabelos, percorrendo-te nuca e orelhas e querer largar o volante e querer refugiar-me contigo num colo, sentir-te morno, murmurante de suaves insanidades, os meus dedos entre os teus dentes, os meus dentes entre os teus dedos e cair, e cair, e cair nessa narcose.
Nunca nada na vida me soube como a confiança do teu rosto oblíquo, a tua entrega, o teu abandono sobre as minhas pernas sentadas no carro a caminho de casa. Ainda te sinto quando me deixas mais saudades. Faltam dez. Dez dias para voltar a oferecer-te o meu colo e dar-te a minha voz em cicios. Esta certeza de que seremos um do outro como não se é de ninguém abrasa-me e serena-me espírito e corpo. O primeiro arde em volutas de desejo; o segundo serena na certeza de ser a casa das tuas mãos, do teu cheiro, da nossa luta vagarosa. Ama-me devagar e terás o paraíso. O meu colo é apenas a ombreira dessa porta.
Sem comentários:
Enviar um comentário