24.7.14

Imaginário

        Retábulo. A biblioteca é um retábulo, o ninho por excelência, o lugar primevo das palavras, a minha matriz de sempre. Estar aqui é já estar em casa. 
        Bandos de gaivotas entraram pela cidadela dentro e gritam no céu acima, vozes que chamam pelas janelas dentro, enchendo os livros de marés e algas. O mar faz-se presente, espraia-se nestas costas feitas de estantes húmidas. Escorre por elas espuma e, no vaivém, ondulam páginas de todos os livros do mundo, nomes diluem-se, ao sabor do salitre, ora calmo, ora em fúria encapelada. Aqui, todas as praias e todas as ilhas aguardam, dentro das palavras ditas. Dentro da sala - e dentro do meu peito que sussurra os sons das palavras dos outros - ecoam brisas de muitas latitudes. Estar aqui é ir a todos os lugares. Sem voos, sem estradas, sem a obrigação de fazer conversa para se fingir que se é vivo... No silêncio, tudo se torna possível, o corpo curva-se às metáforas, os cabelos são velas, os olhos perdem-se num vazio que se enche de tudo o que se queira. O mar torna-se audível, as letras são as vagas e a pele não mente: se a língua humedece os lábios, é sempre a sal que eles sabem.

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