2.9.11

Verba


Demasiada gente (que) escreve com erros. Agora e para sempre. Restam-nos as palavras que se ejectaram - a tempo e por inerência - da cloaca em que foi transformada esta Língua.
Ao contrário da terra dantes transportada em pequenos sacos para polvilhar o morto longe do seu solo de berço, da bandeira ou do hino, as palavras têm imagem visual, um rosto e trazem-se dentro, embutidas na máquina propulsora a que se chama cérebro. Também ele se liquefará, a seu tempo, num tempo em que quaisquer famous last words ainda possam ser pronunciadas, ditas com voz. Afinal, os druídas sabiam o que aí vinha e, por definição, o que faziam: era proibido escrever.
Em nome do que sobra sempre, do que é válido, banirei - e apenas em documentos oficiais, os do Inimigo -, por relapsas, as palavras óPtimo, aCtividade ou pÁra! Serão substituídas por sinónimas e guardadas em santuário, como pássaros de asa ferida. Guardo-as aqui e nos meus textos-de-gaveta, que são uma e a mesma coisa.
Resta-me este consolo: os podres que as quiseram assassinar hão-de adubar a terra, juntamente com o esterco dos milénios. Para o sempre sobram essas palavras feridas, convalescentes, transportadas na boca, no ventre, entre as mãos dos que as sabem. Desamputadas, aguardam: tal como a árvore que ali vejo, recortada contra o azul-petróleo doloroso do céu que se outoniza, sobreviverão, nos bailados das palavras compostos por muitos, todos os que o tempo não apaga, mas antes cinzela. Ainda bem que todos os humanos apodrecem. Só a natureza tem um corpo dúctil, tal como as plantas têm sementes. Quem não viu isto, nem sabe quem é.

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