2.6.09

"Hipopo(p)timizada"

No passado domingo, ele reabilitou-me. Li e reli, emocionada, uma das mais sensíveis, inteligentes e bem-humoradas entrevistas de sempre. A forma deliciosa como conjuga a atenção para com os vocábulos da língua-mãe, a vontade de fascinar as crianças pelo poder mágico, encantatório do som articulado, fez-me rir, naquela discreta mesinha de café, humedecer de ternura o olhar às vezes cansado de mundo, voltar a acreditar nos que professam a fé na e pela palavra. Tudo para aportar a um nicho onde o regaço dos que alguma vez nos deram colo e nos leram baixinho histórias impossíveis será sempre um regresso a casa. Aquele homem poderá, até, eventualmente não encantar muitos - e eu sei de um livro seu que coloco aquém do seu brilho, por isso escrevo com a lucidez possível - mas aquelas páginas souberam-me a risos cúmplices, à honestidade dos amigos da infância - os "para sempre", como a adorável, inesquecível, gargalhática Alice, que ontem fez... 40 anos (o tempo foge-nos!) -, a um lugar de vozes segredadas que não quero ver apagado. Quero poder voltar a ler palavras que me saibam a gomos de laranja em sumo escorrendo pelo queixo, pinhões cobertos de pó castanho, esmagados com pedras, enquanto os outros meninos e a "irmã Ana" me gritam o nome ao longe - aaaaandaaaa, és a última, Inêêês, vais perder os fantooooches! - mãos dadas entre dois bibes azuis, rostos afogueados da muita pressa de chegar aos baloiços e todas aquelas dúvidas sobre Deus e "os lugares depois de morrermos", os que os adultos não queriam que eu soubesse cedo de mais... Sim, existe esse lugar onde a expressão Graça de Deus me faz ainda fechar os olhos no baloiço das horas, sorver o cheiro a cedros depois da chuva, tocar como espuma as folhas de Outono-nuvens que me sustentavam, os dedos sobre o musgo húmido de todas as manhãs em que a avózinha era ainda viva e nos levava ao colégio... Tudo isso assomou ao meu espírito quando percebi que há, ainda, quem não se entregue ao fogo fátuo da vaidade, que não faz questão de ir às escolas para convencer os meninos de que sabe escrever e é um escritor. Quem quer que seja modesto tem o meu aval e o meu voto de muitas, longas e prazenteiras horas de escrita, para que eu as possa também ler. Partilhar segredos. Uma e outra vez, saindo deste corpo agora perto da "quarentena" (;0)...
Álvaro Magalhães reabilitou a minha ternura pela(s) palavra(s) e, sem nunca lhe ter ouvido a voz, sei que é uma voz de riso. Obrigada! Abençoados os que nunca se deixaram contaminar pelo embotamento dos sentidos e serão sempre meninos, seja qual for o chão que pisem, a língua que falem, os percursos pelo tempo adentro que possam fazer, distanciando-se do lugar infância que eu própria me recuso a deixar de trazer dentro. Por dentro do meu corpo ainda magro e tão pequeno que não chega à estante dos livros, mas sabe já que será sempre entre eles que mora a sua casa.

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