Disseste que era tarde. Apesar disso, poisaste os remos no interior do barco e então percebi que vogaríamos ao sabor da corrente. Lenta e imperceptivelmente, fomos depositados num banco de areia. Ficaste a observar os meus pés nus sob a água, pontuados por grãos dourados que brilhavam ao sol, quando saltei borda fora e segurei o longo vestido sem costas, evitando as abstracções do salitre. Tinhas um ar cansado e subia-te o peito, numa busca irrevogável de mais oxigénio. De rosto perdido algures num ponto para lá da ondulação, onde tudo é silêncio e espaço sobre as águas à laia de chão, tentaste projectar a voz como se eu lá estivesse. Traído pela emoção, só conseguiste dizer com a boca que te ias embora: não havia sons. Percebi que já não estavas ali: por algum tipo de asterisco improvisado, a vida relegava-me para o espaço de uma nota de rodapé. Tinhas um encontro marcado com uma data e o lugar para onde ias não aceitava convidados. Só então percebi que era terminal. Sempre tive a lucidez de aceitar que quero morrer sozinha tal como nasci, mas não esperava ver projectada essa luz fria sobre a vida de outra pessoa que eu amasse. Então, a clareza do meu espírito atravessou-me o caminho: cravou-se-me como uma espinha no interior da garganta. Ainda hoje me sabe a boca a sangue, quando digo o teu nome em casa e as paredes me devolvem o eco.
25.5.08
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