30.12.06

Gratia Plena

Balanço 2006

Felicidades rotundas, plenas, muitas por dia.
Dias grávidos de minudentes, lupinos, acesos momentos.
Surpresas mínimas, enormes audácias
que a todos têm maravilhado
(e mais a mim!),
Encenações verdadeiras de ficções que hão-de dar que falar,
Émerveillements/Deslumbramentos
que não contemplem o meu ego mas o mundo que me é dado
ver, sentir, cheirar, saborear, escutar
com minúcias esfomeadas.
O prazer q.b. aos sentidos nos tempos certos
com quem é (o) certo,
e descobrir - ironia de gargalhar - que serei, nesta vida,
guia de espíritos, pastora de almas, escritora salvífica...
Disse-o ele, o velho xamã, sem que lho perguntasse:
«nunca erro,
senhora-menina-do-riso-bonito-vindo-de-dentro-dos-olhos.
Há-de privar-se para ter,
calar para aprender,
observar sem reagir.
Fluidez. Serenidade. Contemplação. Silêncios.»
E à minha volta? Tout autour de moi?
O que era falácia continuou.
O que eram fraudes, interesses e má fila instalou-se.
O que sempre viveu da gosma aduladora
terá o seu lugar no mundo hipócrita,
como no mundo têm lugar
o excremento, a víbora, a urticária,
os parasitas, a fealdade endógena.
Tudo tem o seu tempo, o seu lugar.
É legítima - até do que rasteja - a existência:
aos mais débeis o direito à
necessidade de aprovação.
É dos seus karmas a insatisfação-alimento do ego.
Tudo se lança em queda.
A harmonia, contudo, está sempre por perto:
redime-se o que procura, o que constrói,
o que se isola da vaidade-excesso,
o que se anula para que nele outros vejam o brilho,
o que dá graças, o que renasce após os vértices
de corte no fio da navalha,
o que se alimenta do nada que é tudo.
Recomposição, antes da decomposição:
fugir dos aplausos e de tudo o que tolhe
em nanosegundos a arte do que quer que seja de bom
à tona de água, à flor da terra, sob os ares em volutas.
O mundo é como é.
Tudo será o que tiver de ser.
O tempo há-de matar, curar, privar, cauterizar,
envolver em algodão ou em sal as feridas-lacerações da alma.
Ao riso sobrevirão as dores da perda, do medo, do tempo.
A chave:
que farei eu com o que envolve a personagem-eu
na narrativa divina?
A minha senda continua.
De mim, falarão as minhas gavetas.
Dos segredos verdadeiros, murmúrios aos ouvidos
de quem saiba, cale, ame na eloquência
dos meus silêncios.
Atravessei o deserto.
Mantive em vista a missão.
Trago agora os frutos:
a serem bons, provarei as pequenas glórias
dos aplausos a compasso, agora, amanhã,
deste dia a muitos anos, nunca em vida.
Não é importante.
Isto sei: sou amada.
A prova?
Vivo, ainda,
em Acção de Graças
pela sabedoria dos momentos agarrados:
«É isto, a felicidade.
Agradeço-a. Saboreio-a.
Partilho-a,
olhos fechados a fundo, boca-em-barco do riso.»
Por isso, por isso só, sou Gratia Plena.
A si, amigo sem rosto que (ainda) me lê,
como eu, Sal da terra, corredor de fundo,
empreendedor dos pequenos triunfos diários,
ciente das pedras do chão
mas de olhar cravado no firmamento,
sonhador na justa medida,
lúcido na contagem do tempo voraz,
feliz e envolto em risos após cada recomeço,
uma boa entrada neste Ano da Graça do Senhor
que nos é dado viver:

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