5.7.06

Hidromel *

Azimutes, noite caída há horas,
percorro de olhares a abóbada celeste
beijando um mar só meu.
Como tu, pertence-me até ao âmago das profundezas.
Ainda te seguro pelos pulsos. Ainda te trago dentro.
Está-me no palato, no centro da língua, nas polpas dos dedos
o teu nome que repito,
sussurros de murmúrio,
cicios de primordial cócega
no âmago do ventre
que descai sempre que me
nomeias.
Toda a minha crónica,
ardente sensualidade
reposta
na fremente certeza
da pertença a ti por inteiro,
todo o corpo unido no vício,
saudades de ti.
Por onde andas?
Os ouvidos trazem-te o calor da minha voz?
Fazes-me amor nesta noite de névoas?
A distância ainda te devolve o calor que trago?
Recordas-me o rosto de estatuária?
Ainda sou grega-mediterrânica-eslava?
É o cheiro dos nossos acordares que te envolve cama,
pele, dedos em riste por entre fios de queratina?
Eu, três gerações,
eu, todas as mulheres,
eu, a solitária no vendaval
a que grita ao árduo vento norte
que é preciso
mais,
muito
mais
força para
arrasar esta fúria
de estar viva.
Pulsante, correndo em fio de prumo,
recta ao objectivo,
perpendicular
à tua cama,
faço meu
o teu chão.
E sou una, inteira e ágil na lentidão.
E és menino, e tens medo, e envolvo-te.
Tremente como na morte,
renasces a cada ondulação deste corpo
que te pertence por momentos.
Nunca me terás, de facto.
Sabes. Que sim, que me lês à transparência.
Sou a que corre,
"elle n'en sort plus de ta mémoire,
elle danse derrière les brouillards",
a da festa, a das roupas rasgadas e das cinzas.
Os octopussianos recontros
de quatro braços, quatro pernas,
dois sexos em unívoco
acordo de paz.
Trago-te a paz dos meus suspiros,
da calidez da voz que te embriaga,
da mornaceira de uma pele fabricada
para que ta oferecesse
esta noite,
todas as noites que não tivemos,
todas as noites de todos os tempos.
Todos os homens, tu.
Mulher inteira,eu.
É no traçado direita-esquerda
que sobre a tua pele escrevo e te ordeno, suplicante:
Vem, entra em mim, mostra-me
que tenho terror da vida,
deslaça-me o peito costurado,
beija-me cada dedo,
amacia-me cada contorno,
traz-me ao colo por momentos,
depõe-me meia-morta,
fingindo a pequena morte
ensinando-te perdição,
perguntando ao Alto
porque não
pode
o
Tempo
parar
agora
mesmo,
que os nossos nós dos dedos embranquecem
de tantas vagas,
de tanto estreitar,
de tantas palavras ditas,
dos nossos nomes gastos,
do meu corpo esventrado
na quarta geração que me pões dentro.
Prova-me que estou viva:
volta ao início, sim?
Começa por
beijar-me cada curva de braço
na lentidão de Kundera,
percorrer de boca a minha nuca
em beijos de Klimt,
desfazer-me esta trança,
eu, céltica, tu, judaico.
Sei pouco.
Isto sei:
não sejas Holofernes;
não serei Judite.
Ama-me devagar
e terás tudo
o que a tua vista alcance:
este corpo branco e glabro.
Da alma,
amor-amigo,
sabemos o voo
sempre que nos unimos
por bocas sequiosas
de beijos fruto-silvestre.
É curto, o tempo.
A noite clareia.
Urjamos nas fúrias lentas,
rindo dos sábios corpos que recebemos
nos primórdios.
Mistérios que o devem ser.
Químicas que desatamos.
Riso em borbotões sumarentos.
Bilateral.Cumplicidade.
Corpo alongado em deus hindu,
sobre o lado,
rugas de expressão de néctar.
Mar e areais por testemunhas,
em dança estelar no solo,
ondulemos na líquida fluidez
das vontades
que impõem corpos:
recomecemos,
agridoce Valhalla...
(* Beijos reservados ao senhor feudal que os fez seus. Sortes.)

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