12.4.06

Assim é,

assim escrevo, a música é trovadoresca. O ferreiro toca rebentos de árvore de fruto. Sorri à mulher dolorosamente bela (Sibylla retribui), um sol estonteante, um anjo que cega e torna inconcebível a crença em beleza superior, água dos glaciares nos seus olhos líquidos.
Escrevo ainda sob os tambores da guerra. As vozes épicas martelam as sílabas. Coro infantil, vozes de anjos. Marcial, o som tornado flauta suave sobrepõe-se aos sons árabes que por fim tomam posse. Música de cavaleiros sem lei. Sei que o imaginário é o do sangue.
De seguida, sei que entrará a voz doída de mulher do Islão. Sinuosa, dirá "El-hahbibi", meu amor e "Al-Allah", Deus.
Em seguida, a música sacra. Pacificadora na sua surdina, eleva-se em catedral gótica, em paroxismos de prece. O desespero do sal nas feridas. O sal da terra nas vozes.
A mulher emotiva que aqui tecla sabe que a mensagem de tudo isto, tudo após as mortes às centenas, o chão tingido do sangue árabe, cristão, judeu, as torres caídas, as vozes que gritam ordens, os discursos, os tratados, os panos que esvoaçam em bandeiras desiguais quando a nossa, a de todos é uma só por humana condição, os cabelos que se cortam em abdicação, a poeira do deserto como as águas do oásis, tudo, tudo concorre para o leito comum.
Saladino que chora, mão sobre o rosto, pranto sobre corpos muçulmanos, lázaros às centenas, envoltos em lençóis cor da paz; Saladino que faz um tratado e poupa vidas e reconhece num riso - vencendo orgulhos - que Jerusalém vale "tudo"; Saladino que entra na cidade branca após a conquista ao mais alto preço, um semi-deus quase soçobra...
A música árabe, em masculina oração, o seu corpo magro que avança, arabescos de ouro em tributo a Alá, o véu negro que esvoaça coroando o grisalho dos cabelos sobre uns olhos com khol, as rugas da pele do deserto, as cortinas da cidade que foi sitiada rubras como todo o fluido vertido, o caminhar seguro de senhor que passa por entre vénias de servos.
...E que faz então Saladino?...
Aproxima-se de um pequeno crucifixo de altar tombado. Inclina-se, alcança o despojo dourado e coloca-o sobre a mesa. Olha-o com respeito. Sai em direcção à luz do sol que o fez trigueiro como um campo de alimento sagrado. Jerusalém é ele.
Um dia, vi o filme no cinema. Comprei-o. Guardo-o. Divulgo-o. Aprendo com a História. Como poderia ser de outra forma? Ontem como hoje, disse-me: é esta a mensagem!
É esta a mensagem: há, no mundo, lugar para todos os homens. A sexta palavra é A Palavra.
Ver, ver muito e bem:
Kingdom of Heaven (Reino dos Céus), de Ridley Scott, com Orlando Bloom, Eva Green, Jeremy Irons, Liam Neeson... (2005).
E por falar em liberdade de expressão, o post fica dedicado ao meu mais fiel leitor. Que lhe seja de bom uso, 85.138.230.#: obrigada por estar aí, whoever you may be.
Sahlehm Ahl-heik-hum
Shalom
Pax

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