Em França, para o melhor e para o pior, ainda se analisam os traços de morfologia dos rostos quando se trata de empregar alguém (ouvi também de casos recentes de análise grafológica, embora a belle écriture dos franceses seja policópia da maravilhosa regularidade do traço).
O povo - que (também) se engana quando trata de generalizar por aforismos - diz que "quem vê caras não vê corações". Creio que não, que o povo não vê corações onde vê caras. Muito menos vê almas, ocupado que está em ser aceite. Algo me certifica de que eu sim, vejo mais: nunca me enganei sobre o carácter de alguém quando lhe vi os olhos, lhe ouvi a voz, lhe analisei as reacções (por algum motivo certo ser vivo me apelidou de "microscópio com alma", não sabendo de como deste lado se adivinhava e sabia mais do que alguma vez será dado imaginar a cobaias).
A verdade é abrupta, mas há que enfrentar o facto: percebi muito sobre algumas pessoas no mundo-blogger quando lhes vi os rostos desvelados. Num dos casos, a criança que me ladeava afirmou:
" - Essa é uma senhora que sofre... não é?"
" - Não sei...", respondi.
Menti. Era cedo para aquele menino saber de como estava certo. Mais uma vez, eu sabia mais do que demonstrava. Tal como a criação artística não se compadece das máscaras dos outros, assim me compadeça eu da inocência infantil e não ensine o caminho das mágoas que os sortilégios das personas gostariam de ver crónicas.
Alguém que muito prezo tocava, há horas, no tema da sabedoria. Sabedoria é também isto: ler almas. Para refrigério de algumas, temos de ser actores dignos de Óscar. Apreciadora do que é independente, oponho-me às feiras de vaidades. Por esse mesmo silêncio me conduzo: o meu fio de prumo são os esgares doridos dos sorrisos, o ruído de fundo das vozes dos hipócritas que nota quem não se pauta pela cartilha do vácuo. Talvez por isso, todo o mal que se me acerca é fogo fátuo. Esvai-se no vazio da noite. Fica de fora. Anula-se. Rodeia-me apenas o que é justo no sentido das Escrituras de hoje. Justo como José ou David. Como o filho do segundo, pedi a Deus "A" sabedoria. Alguma me deve ter calhado em sorte: os rostos que vi de gente do outro lado do vidro correspondem às amarguras que lhes fluem de almas à deriva. Ruído. É gente imersa em ruído. A infelicidade tem muitas máscaras. Nenhuma delas enganou a criança ao meu lado. Sábia, ela leu nas entrelinhas, sem precisar de ser Salomão. Eu, que sei mais do que ela, teorizo: como poderiam vampiros do espírito, isentos de espírito falar do "espírito" dos outros?...
Considero que o que a Deus voltei a pedir hoje foi concedido também à geração que me segue. Edifico mais alto:
«(...)
Perdoai-nos as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido.
E não nos deixeis cair em tentação*,
mas livrai-nos do Mal.
Amén.»
* A tentação em causa terá, quando muito, a forma da soberba (todas as virtudes passam a defeitos, é esse o humor divino): a morfologia de almas torpes não lhes permite camuflagens, mesmo que esta que aqui escreve acredite em fábulas por segundos.
Deus vela. Que eu - que O temo - seja livre da Sua Ira quando A Hora me soe.
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