Há muito de inexplicável em voltarmos sempre aos mesmos lugares. Redefino-me, pelas horas vagas das noites que desenovelo, escorregadias, cheias de possibilidades. De resto, os acontecimentos vão deslizando, quer se queira ou não, no sentido oposto ao do nascimento: é-se já quase velho, nos 50 (ainda só cinquenta), olha-se para este blog e, contas feitas, eram 33 os outonos quando o vício de escrevinhar se estendeu, em azul, pelas teclas. Podia ser pior.
23.12.19
26.12.18
Primevo
Nos espaços intersticiais, o nada - que, de resto, não existe - vai ocupando lugares.
Há algo de cócega, irritante urticária, aquele "rash cutâneo"-efeito-secundário-medicamentoso que começa devagar, vai formigando, levantando ondas, como berlinde ou vidro de coisa partida sob o tapete da casa, gato minúsculo que, em cicios e ronrons desliza, ou a mera infinitesimal mancha de pele arrepiada com microscópico pêlo que se eriça sob a camisola, naquele preciso ponto das costas em que os braços não cruzam, como deviam cruzar-se, também, por comodidade nossa, os limpa-pára-brisas, aos quais escapa aquela gota deslizante, precisamente a que mais nos irrita e desce (e que até contrariamos aumentando a velocidade e ela, então, sobe, a despeito da nossa fúria para que se horizontalize...).
É aquele vagar, aquela afronta descarada de tudo o que não se controla e desliza, r(eb)ola, avança, embrulha as linhas do tempo, rasteja e insidiosamente se impõe de forma pacífica, em liquidez xaroposa e, de repente, está ali, fixo, "em modo" veni, vidi, vici imperial e... ficou. Já ficou ali.
Desta vez, entre dias de sol quente - lustrando as coisas de um rasto de brilho após a chuva lavante e sempre bem vinda - e dias de névoa que-não-chega-a-ser-fria, mas é nortenha, benfazeja e simula paredes de fumo que tudo e nada escondem, em preparação da chegada de Janus, há uma ansiedade que se quer mais tensa: é uma saída do torpor invernal, mal ele começou, passado que é o dia 21 de Dezembro. Janus, o tal, deus das duas caras, traz dias de sol imenso, luzernas quentes, anacrónicas, no céu lavado pelos ventos ainda agrestes e, em contrariedade estudada, velhaco que é, traz igualmente dias de ar gélido, cortante, que espicaça a vontade de se isolar de tudo e obriga ao brio de o combater, porque a vida continua sempre.
Os dias cresceram, os piscos-de-peito-ruivo cantam, nidificam aqui e ali, espreitam - se lhes ponho o som de irmãos deles gravados por ingleses ou gente que o valha, ornitólogos, passarinheiros, birdwatchers, em vídeos youtubescos ou o meu assobiar imitativo que os fazem responder e vir, de pronto, vigiar o território e desfiar-me, em valsa de rival, o olhito preto espetado no meu ângulo - saltaricando pelo solo chumbado da magnífica chuva de há dias. Olá, erithacus rubecula!
Os dias cresceram, os piscos-de-peito-ruivo cantam, nidificam aqui e ali, espreitam - se lhes ponho o som de irmãos deles gravados por ingleses ou gente que o valha, ornitólogos, passarinheiros, birdwatchers, em vídeos youtubescos ou o meu assobiar imitativo que os fazem responder e vir, de pronto, vigiar o território e desfiar-me, em valsa de rival, o olhito preto espetado no meu ângulo - saltaricando pelo solo chumbado da magnífica chuva de há dias. Olá, erithacus rubecula!
Acabo pelo início: o nada que, pelos espaços intersticiais avança e ocupa. Há um frenesim sob a pele quando posso reiniciar um cronómetro e acontece-me, muitas vezes nesta vida, sentir que recomeço do zero. Sem isso, teria vivido mil mortes, passe a oxímora (e aparente) contradição e, já agora, que se mo permita, a redundância, a tautologia, o pleonasmo (entenda quem puder, como dizia a saramaguiana prosa). Acabo no que me trouxe aqui: apesar das horrorosas quase-tragédias que me traz Janeiro, este terror do reinício traz também o que há de bom: recomeço(s).
A ele(s) ergo a taça que, não sendo minha, a vida também me tem sabido emprestar: a minha esperança corrosiva, arraigada, arrasa o pior dos colegas, a mais monstruosa das vizinhas, o mais cego dos detractores dessa coisa verde, simultaneamente granítica e licorosa que se me colou, dúctil e rija como sete vimes. Bebo, pois, este copo de água primevo deste pristino Janeiro, em honra da determinação: it ain't over 'till it's over... Clockwise it is! ↻
;0) I.A.
19.12.18
Voltei.
À biblioteca, quero dizer.
Já chorei de emoção ante a beleza pura - ali ao fundo, na parte das sugestões de leitura - porque Sophia me arrancou ao marasmo dorido de alma em recuo abertamente voluntário. Quem, como Sophia - não ela, figura por demais hierática e vaga, sem doçura na fronte a não ser por tudo o que no mundo existiu de não humano e, portanto, da matriz do sublime, pelo que não encontrei nunca, na poetisa, o calor de quem escreveu sobre sereias, cavaleiros e fadas, tanto que creio ter sido figura ficcionada, a da mão que escrevia -, mas quem, como ela, figura esfíngica, para esmagar docemente com os mais belos casamentos de palavras que me foi dado saborear? Como escreve bem Sophia de Mello Breyner Andresen! É quase impossível - e é este um quase invisível, de (tão) minúsculo, "possível" - escrever-se assim! Algo de muito arraigado ao campo do divino, do diáfano, a uma espécie de matriz ontológica dos elfos, se desprende das palavras que escreveu Sophia!
(Esta escritora já deveria ter sido Nobel e, imagino não o seja, ainda, porque a mais bela das Línguas Mães - a nossa, esta com que escrevo e na qual me reconheço - perde e se perde na tradução, qualquer tradução, na velha ideia do sábio tradutore, tradittore...)
E as palavras, as mesmas da matriz que ela usou, por onde andam? Que lhes foi feito, que perderam aquela espécie de goma arábica, canela, alcaçuz e as propriedades típicas do que é precioso e raro?...
As palavras andam fugidas do vulgo, escondidas nas arestas dos livros que ninguém lê, espreitam, à laia de semi-confiança emprestada a quem as pretenda usar, mas logo esvoaçam, tímidas, descabeladas e lívidas, desmaiantes ao risco, até, de dissolução em transparência de teleportamento, emigram, saltam para outras dimensões onde só Pessoas, Hesses, Sophias, Yourcenars, Torgas ou Virgílios as modelam e as renascem em cadências de vida nova, como a chuva bendita que, por vezes cai, refrigério de caminhantes no deserto como eu e muitos...
Vertiginosamente se vão apagando os lumes vários que me animavam por dentro, sabido que é estarmos num mundo tão falho como vário em abjecções multi-espécie.
Deste mais-um-fim de período lectivo, observo o estado de sítio que alastra: a(s) escola(s), já não a vergonha do costume, mas uma vergonha ainda pior, muito maior do que o inimaginável: professores sem espinha dorsal, voluntariamente transformados em risíveis mangas-de-alpaca; proto-alunos com tudo às costas - Diabo incluído! - e incipiente, raquítico respeito pelo trabalho; burocracias várias, mostrengamente kafkianas; um ambiente, em suma, vomitivo a quem quer que tenha, ainda, por dentro, a habitá-lo, essa espécie rara chamada consciência ou os simples olhos na cara para ver.
Aqui, ao meu lado, apesar de tudo, mora a esperança e o meu dia está salvo, numa prova viva do ainda impoluído mundo de alguns seres pequenos que caminham entre nós: um rapazinho de olhos cor do mar que Sophia trouxe para a sua poesia, um pequeno de dentes raros, que não terá, ainda, mais de nove pequenos anos - acaba de mo confirmar: o Afonso, que fará 10 anos em Abril! - , acabou as suas tarefas num manual de Português e agora, em silêncio, dando lições aos universitários já apodrecidos que convivem na biblioteca - ainda, o melhor lugar do mundo -... lê! Faz esse gesto raro de se deixar levar por uma singela lombada de livro infantil, folheia, detém-se nas cores das ilustrações e... lê! No seu estojo, um emblema de clube desportivo cosido mostra que não teme, ainda, num país onde a cobardia impera, afirmar a sua opinião e o seu lugar no mundo, ele, que ao lado da irmã mais velha (universitária com ar de uns 15 anos), ocupa um melhor lugar que o dos já contaminados pela apatia, pela descrença, pelo desgaste do excesso de informação. Eles, todos eles procuram nas teias sociais - de ignominiosa aranha ainda oculta - saber o que fazem os vizinhos e mais 350.000 pessoas no planeta; ele, Afonso, lê! Ainda a salvo da boçalidade à sua volta, lê. Viaja, sonha, constrói-se, afirma-se. Lendo. Fecho a minha visão - em permanente estranheza com o mundo à minha volta - considerando: Sophia teria adorado o Afonso. Resta-me desejar que algum professor, colega meu no futuro, saiba, ainda ensinar as palavras de Sophia ao Afonso, para que também ele goste dela e o mundo se reconstrua, a partir da página em branco, tal como Sophia renasce a cada vez que lemos o fecho do seu mais belo poema, "A forma justa".
(...)
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo.
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo.
24.5.17
Um vasto leque
No(s) ido(s) de 2003, a 22 do mês que agora corre, surgia este blog.
Deu um jeitaço, espraiar alguns parcos escritos, ver em que paravam as modas, tomar o pulso à vox populi e, entre actividades tão diversas como espernear contra maiorias, semear epigramas, celebrar a vida, o tempo escorreu, tinta-da-china, ou marca d'água, num certo estilo de escrita. Cristalizou(-se).
Como hoje a efeméride do horrível calor me parece a mais apropriada, escolhi esta bela imagem de uma recicladora de coisas várias (link abaixo). E, como apreciadora de leques desde sempre, deleito os olhares nos desenhos minimais de estilo gravateiro entre os violáceos e os verdes-seco. Vintage. Só faltava aspergir el abanico de gotinhas de colónia fresca e cítrica, a acidular o ar mornacento e entediante do fim de um ano lectivo "o-mais-trabalhoso-de-sempre-das-8-às-8...". Tinha 33 anos. Em breve, contarei 48. O que é bom. Muito bom. Como diz a miudagem, Mesmo!
16.3.16
Ode to Teachers by Pat Mora : The Poetry Foundation
Ode to Teachers by Pat Mora : The Poetry Foundation:
I remember / the first day, / how I looked down, / hoping you wouldn't see
I remember / the first day, / how I looked down, / hoping you wouldn't see
1.2.16
Como Mulder (e segundo Scully), nos neo-X-Files, deve ser da "depressão endógena". Deve, deve.
Ignoro se é facto, mas diz-se, por aí, que estão a morrer - se é que ainda caminham algumas entre nós - as pessoas que, realmente inteligentes e com alma, se prezam de saber, ainda, escrever.
Eu, que acabo de lançar fel sobre um suposto jornal online que envergonha a Língua da sua Pátria, pouco leio, já. Esparsas coisas de amigos, um ou outro livro antes de a "Mátria" ter sido cilindrada pelo prostituído "AO90" (e que asco é, nomeá-lo), livros ditos "antigos", mas semi-datados, segundo parece: pré-"Velho do Restelo"...
Agora, diz-se nos mentideros que um suposto povo - que Pátria habito eu, afinal, se esta me dói? - elegeu (palavra que se associaria a "eleitos", neste caso, um violento contraste) um representante. Um novo bobo, agitando o mesmo riso imbecil dos presidentes dos U.S.A. no vídeo "I pet goat II". Execro-o, pois que disse, algures, termos (pergunto-me quem é esse "nós!) de admitir que, sendo Vera Cruz (não, não o cito) formada por mais milhões, é dela a hegemonia. Segundo convictamente terá afirmado, temos de nos sujeitar ao peso populacional, monetário e... cultural.
Vejam só, há verdadeira cultura em Vera Cruz. O território onde uma Pinacoteca vai chamar-se "Pina". E porque não Bausch, pergunto eu?... O território da escrita arrotada, sem brio desde Machado de Assis. Sem verdadeira literatura de fundo que tem de roubar Pessoa, incluindo-o na sua História da Literatura nacional, um lugar onde a escrita do povo TEM de ser respeitada (um proto-ex-presidente com nome de cefalópode dixit) e é preciso descer ao nível... abaixo do nível.
Vómito. Abaixo disso, fossa, esgoto, cloaca. Será, talvez, de uma tendência da escriba deste blog para o pós-pós-pós-idealismo ou, como sempre confessou, optimismo realista, que sempre soa mais chique. Contudo, não é a valer, não. Dâmaso não diria que este blog é "chique a valer!". Aliás, ele gostava de uma veracruciana, uma suposta Maria Eduarda, cheia de rodagem e com sotaque sovaquento, dengosa e vendida. Coisas que, cem anos que viva, sempre hão-de revolver-me as entranhas. Manias de quem tem um olfacto canino.
Apesar de tudo, há milhões de livros nas bibliotecas que, tirando o ódio aos lepismas, eu poderia habitar como meus, entranhando-me neles, degustando-os, amando os seus sons em voz alta, devagar, como já não se lê hoje. São gostos. Nestes dias, resumo as mudanças que quero ao corte de cabelo mais ou menos curto. De resto, same old, same old.
Paz aos insatisfeitos.
Sempre odiei o Statu Quo.
29.7.15
10.9.14
Saudades de... Raul Durão
No seu programa, creio ter ouvido SEMPRE esta música maravilhosa. Do tempo em que a música e os locutores mereciam esses nomes. A suavidade da voz deste senhor, a sua ponderação, bom senso e bom gosto trazem-mo à memória frequentemente. Que repouse na paz que sempre me transmitiu. Sempre.
24.7.14
Imaginário
Retábulo. A biblioteca é um retábulo, o ninho por excelência, o lugar primevo das palavras, a minha matriz de sempre. Estar aqui é já estar em casa.
Bandos de gaivotas entraram pela cidadela dentro e gritam no céu acima, vozes que chamam pelas janelas dentro, enchendo os livros de marés e algas. O mar faz-se presente, espraia-se nestas costas feitas de estantes húmidas. Escorre por elas espuma e, no vaivém, ondulam páginas de todos os livros do mundo, nomes diluem-se, ao sabor do salitre, ora calmo, ora em fúria encapelada. Aqui, todas as praias e todas as ilhas aguardam, dentro das palavras ditas. Dentro da sala - e dentro do meu peito que sussurra os sons das palavras dos outros - ecoam brisas de muitas latitudes. Estar aqui é ir a todos os lugares. Sem voos, sem estradas, sem a obrigação de fazer conversa para se fingir que se é vivo... No silêncio, tudo se torna possível, o corpo curva-se às metáforas, os cabelos são velas, os olhos perdem-se num vazio que se enche de tudo o que se queira. O mar torna-se audível, as letras são as vagas e a pele não mente: se a língua humedece os lábios, é sempre a sal que eles sabem.
Bandos de gaivotas entraram pela cidadela dentro e gritam no céu acima, vozes que chamam pelas janelas dentro, enchendo os livros de marés e algas. O mar faz-se presente, espraia-se nestas costas feitas de estantes húmidas. Escorre por elas espuma e, no vaivém, ondulam páginas de todos os livros do mundo, nomes diluem-se, ao sabor do salitre, ora calmo, ora em fúria encapelada. Aqui, todas as praias e todas as ilhas aguardam, dentro das palavras ditas. Dentro da sala - e dentro do meu peito que sussurra os sons das palavras dos outros - ecoam brisas de muitas latitudes. Estar aqui é ir a todos os lugares. Sem voos, sem estradas, sem a obrigação de fazer conversa para se fingir que se é vivo... No silêncio, tudo se torna possível, o corpo curva-se às metáforas, os cabelos são velas, os olhos perdem-se num vazio que se enche de tudo o que se queira. O mar torna-se audível, as letras são as vagas e a pele não mente: se a língua humedece os lábios, é sempre a sal que eles sabem.
5.7.14
Sempre detestei futebol e tudo, absolutamente tudo o que ele envolve: negócio sujo que é, dado à exposição fácil do ódio e da frustração, não passa de um mundo onde hunos sedentos de mais cólera insultam - mesmo que mentalmente - as mães de todos os outros de todas as outras cores. Para isso, já temos o trânsito, num país onde a consciência cívica roça a dos piores napolitanos dos filmes do costume. Mas é impressão minha ou - sei-o pelo visionamento, de raspão, ao fazer zapping - há uma chusma de gente infantilóide, sem moral, idiota e disposta a tudo para ganhar a povoar o verde dos campos? Aqueles trogloditas não pensarão que estão num campo de ruggby? Mas que tipo de "desporto" é, afinal, essa fraude a que chamam futebol? Aquela gente é, na sua maioria, um bando de quebra-ossos! Que imagem fica na retina de cada criança que presencia aquelas anormalidades todas? Eu só tenho visto repetições em câmara lenta (slow motion replays, se quisermos armar ao moderno) de gente a uivar de dor, de pés que entram em cortes violentíssimos, de t-shirts e calções a serem puxados, de braços que se torcem, de empurrões, de corpos em queda-livre... Aquilo é um desporto? Aquilo é apenas uma guerrilha autorizada. Sempre foi, o que torna a coisa aflitiva, mas agora, eu, que estou do lado dos que lamentam profundamente o que tudo aquilo é realmente e o que simboliza, tenho visto actos de violência enraizada, gente relapsa e mal educada, desprezo total por regras... O dinheiro e uma suposta vitória (que palavra tão rebuscada) por uns tempos tornaram-se assim tão importantes? Os seres humanos têm de andar muito vazios para que algo assim, tão efémero e desproporcionado os preencha por minutos... Que desperdício de energias tão ridículo! São as más emoções da arena romana a regressar. O mundo avoluma a sua fúria contra muitos, contra tantos, que precisa assim de se exprimir como um bando de símios a gesticular em todas as direcções... Acredito que somos cada vez mais e sei que cada vez mais gente se apercebe do simiesco das situações. Continuo a considerar o futebol um acervo imenso de neandertais em busca de sangue, seja ele uma metáfora para o que quer que seja...
21.5.14
Se os moribundos "grupos musicais" (assim se dizia no meu tempo, sou alérgica a bândas; bandas, só as filarmónicas) cá do cada vez mais parvus Portugal podem celebrar 20, 25, 30 anos de carreira (Ah Ah, de rebolar a rir...), então também este demissionário blog pode fazê-lo. Assim sendo, celebra amanhã, dia 22, uns inusitados 11 anos. Olha... Podia ser pior.
Tenho de ir. O ticket do carro esgotou-se no tempo e eu liquefiz mais uns minutos de informação inútil. Assim como assim, é o que soe fazer-se por estes lados do Atlântico. Vamos lá então enobrecer o ministrocrato e corrigir mais uns quilos de testes cheios de erros, em "português abortado", o do "Acordo/aborto Ortográfico 1990". Siga a Marinha!
Tenho de ir. O ticket do carro esgotou-se no tempo e eu liquefiz mais uns minutos de informação inútil. Assim como assim, é o que soe fazer-se por estes lados do Atlântico. Vamos lá então enobrecer o ministrocrato e corrigir mais uns quilos de testes cheios de erros, em "português abortado", o do "Acordo/aborto Ortográfico 1990". Siga a Marinha!
7.4.14
20.2.14
Be still my beating heart
Sting canta, aqui ao lado, a música indicada em epígrafe e eu não consigo impedir-me de pensar no post abaixo: se alguém inventa, em laboratório, peónias como a sufrutticosa no "meu azul", vou precisar de um bypass...
Entretanto, as árvores que me viram crescer balançam-se, como só elas sabem, numa brisa que acusa Primavera por mim indesejada e recordam-me dos reconfortantes movimentos em vórtice que já só as crianças sabem fazer. Quando em idades mais sadias, o "povo pequenino" faz aparentes parvoeiras que, saboreadas de olhos fechados, o instalam num Olimpo de tontura onde não há noção de ridículas rotulagens de "ridículo"... Perto dessa sensação, só a de fugir aos próprios cabelos que, levados pelo vento, são a nossa sombra no passado. Ao correr na direcção oposta, temos a mais perfeita sensação de liberdade, principalmente se não sabemos até onde nos durará o fôlego. O ar frio a espevitar o rosto provoca o riso, a canção que tenhamos na cabeça sabe a pedacinho de erva verde arrancado junto à água que corre e mordido no caule e nada, absolutamente nada nos olhará de olhos cinzentos para nos dizer que já não temos idade para essas coisas.
Aos 44 anos faço o meu credo e o julgamento que ensina Manuel António Pina - perguntar à pessoa jovem que fomos -: fui fiel à pessoa que era, que sempre quis ser quando contava 20 anos? O sabor do verde na boca, a brisa das árvores no balanço do corpo, os cabelos ainda soltos no vento, sim, sou ainda a mesma. Portanto, be still my beating heart, que as análises de hoje ao sangue acusarão, por certo, "assuntos" só dos 40 anos. Por dentro, a criança em mim grita, de cabelos soltos na brisa, ao encontro de um bando de gaivotas na areia e nada, absolutamente nada disto tem nada que ver com "paixões" de qualquer tipo. Apenas percebi, mais uma vez, ao ver aquele sangue escorrer para um frasco, de que estou viva.
Portanto, venham daí as peónias no "meu azul"!
;0)
2.2.14
Aleluia!
Finalmente, descobri! E é isto:
Cor: do catálogo Pantone, descobri o nome dado ao "MEU AZUL"
VIOLET TULIP (16-3823).
E a flor (além das minhas tulipinhas amarelíssimas!)
É a paeonia suffruticosa!
Isto é aquilo a que chamo um dia feliz!
31.1.14
Cosmopolitismos bacocos da capital do reino
Portugal (leia-se Lx) baba ante o elogio que uma supostamente importantíssima-íssima-íssima revista de turismo... espanhola (pois... íssima-íssima-íssima) fez a uma moribunda rua de Lisboa e a uma outra, vetusta também - e caótica, e terceiro-mundo e a escorrer pobreza, porque é isso e isso apenas que filmam os senhores da tv, especialmente em se tratando do Porto, pois o que de lá se mostra e os que de lá falam têm sempre um ar de propositada ruína - mas muito, muito longe do centro do universo que parece ser a metrópole.
Vejamos em números:
Reportagem sobre a metrópole - 4 minutos e 3 segundos;
Reportagem sobre o Porto - 2 minutos e 31 segundos.
Odeio lugares-comuns e mais ainda escrevê-los do que dizê-los, mas há coisas que nunca mudam... Os complexados de Lisboa continuam a roçar a náusea e só não provocam bocejos porque uma injustiça atravessada na garganta de um nortenho não é uma simples bacorada: é um asco que se cimenta e vai crescendo. E recordo muitas reportagens - todas! - nas quais se procura a norte, a suposta boçalidade; a sul, um cosmopolitismo roto e podre que fede mais do que as águas do Tejo que engoliram a cidade após o terramoto. Mas aquela gente não aprende com a história?... Fogos fátuos, gentinha bárbara, de antolhos de burro sempre postos, cega à beleza que não vê mais do que o alcance do próprio nariz, envolta em nada mais do que o seu próprio cheiro a sovaco frustrado...
Vejamos em números:
Reportagem sobre a metrópole - 4 minutos e 3 segundos;
Reportagem sobre o Porto - 2 minutos e 31 segundos.
Odeio lugares-comuns e mais ainda escrevê-los do que dizê-los, mas há coisas que nunca mudam... Os complexados de Lisboa continuam a roçar a náusea e só não provocam bocejos porque uma injustiça atravessada na garganta de um nortenho não é uma simples bacorada: é um asco que se cimenta e vai crescendo. E recordo muitas reportagens - todas! - nas quais se procura a norte, a suposta boçalidade; a sul, um cosmopolitismo roto e podre que fede mais do que as águas do Tejo que engoliram a cidade após o terramoto. Mas aquela gente não aprende com a história?... Fogos fátuos, gentinha bárbara, de antolhos de burro sempre postos, cega à beleza que não vê mais do que o alcance do próprio nariz, envolta em nada mais do que o seu próprio cheiro a sovaco frustrado...
23.10.13
Ombra Mai Fu*
Ombra mai fu
di vegetabile,
cara ed amabile,
soave più.
[Frondi tenere e belle
del mio platano amato
per voi risplenda il fato.
Tuoni, lampi, e procelle
non v'oltraggino mai la cara pace,
nè giunga a profanarvi austro rapace.]
*Obrigada, Richard Zimler, por despertar a curiosidade dos adolescentes portugueses por obras-primas. Sabendo que devo ler o que acredito que também eles devem ler (e são sempre tantos, mais de 100 por ano!), detenho-me nas pp. 68-9 de «Ilha Teresa». «Ombra Mai Fu» deixa-nos sem fôlego, seja qual for o seu intérprete. Percebo a afirmação de Teresa: se tivesse de cantar a Deus para lhe devolver o pai, esta seria A Música... Grazzie Mille.
di vegetabile,
cara ed amabile,
soave più.
[Frondi tenere e belle
del mio platano amato
per voi risplenda il fato.
Tuoni, lampi, e procelle
non v'oltraggino mai la cara pace,
nè giunga a profanarvi austro rapace.]
*Obrigada, Richard Zimler, por despertar a curiosidade dos adolescentes portugueses por obras-primas. Sabendo que devo ler o que acredito que também eles devem ler (e são sempre tantos, mais de 100 por ano!), detenho-me nas pp. 68-9 de «Ilha Teresa». «Ombra Mai Fu» deixa-nos sem fôlego, seja qual for o seu intérprete. Percebo a afirmação de Teresa: se tivesse de cantar a Deus para lhe devolver o pai, esta seria A Música... Grazzie Mille.
6.10.13
ZIMLER, Richard, TORDO, João
Zimler
A par com João Tordo, Richard Zimler é autor que leio com gosto redobrado a cada novo contacto. O Último Cabalista de Lisboa, Meia-noite ou o Princípio do Mundo, Os Anagramas de Varsóvia e agora Goa ou o Guardião da Aurora são verdadeiras obras-primas, se comparadas com a algaraviada atónita e mal resolvida de portuguesinhos ensimesmados nos "rodriguinhos" da banalidade.
Zimler apresenta uma escrita à qual eu chamaria filigranítica, uma vez que a filigrana da ternura que escorre do papel - os primeiros capítulos da obra que agora leio, suplantam tudo o que já vi vertido em palavras - é, simultaneamente, o granito das obras que encerram gerações de gente de fibra, sobreviventes em épocas de grande adversidade. Em paralelo, Tordo é a escrita escorreita, singela, directa e profundamente inteligente. Estes dois autores sabem contar histórias. Não deambulam, não se perdem em conjecturas (as loboantunianas roçam o execrável, erráticas como os desabafos de um louco sem destino) e os únicos que se perdem com mestria, na minha óptica, foram Proust e, nos nossos dias, Paul Auster. Avançam e tudo, absolutamente tudo é útil na economia da obra que avança como um todo, indefectível, um fio de prumo. Há ali uma honestidade comprometida para com o leitor que fascina qualquer mente que aprecie a clareza e o despojamento.
Tendo tido a sorte de assistir a conversas dos dois autores, perpassaram a honestidade intelectual, a lucidez e a elevação, justamente desejáveis por não haver, ali, qualquer laivo de artifício ou populismo. É claramente o oposto do que impera no país, onde a verborreia para vender o produto, o fazer-se interessante inatingível e/ou o mostrar-se acessível no riso pacóvio, a suposta cumplicidade com os leitores/clientes era escusada e se tornou anátema de provincianismos marcadamente lisboetas (reparei, em lançamentos de livros, na importância de pertencer ao círculo, adular, acreditar que é prestigiante porque alguém disse que é bom, porque o autor é difícil de ler).
Recordo aqui a podridão que grassa no meio literário: houve um concurso no qual participei, tendo ganho um senhor que - fiquei a saber pela acta publicada na internet - venceu porque, segundo aparecia na justificação (e atenção, este foi o primeiro mérito apontado à escrita da criatura!) o autor tinha "um bom conhecimento da geografia europeia"!... O concurso não era, sequer, sobre suposta literatura de viagens! Definitivamente, eu e centenas de outros teríamos de ter amigos no meio, para poder vencer e viajar, vencer e viajar, vencer e reentrar no vicioso ciclo. Do I need to say more?...
Recordo aqui a podridão que grassa no meio literário: houve um concurso no qual participei, tendo ganho um senhor que - fiquei a saber pela acta publicada na internet - venceu porque, segundo aparecia na justificação (e atenção, este foi o primeiro mérito apontado à escrita da criatura!) o autor tinha "um bom conhecimento da geografia europeia"!... O concurso não era, sequer, sobre suposta literatura de viagens! Definitivamente, eu e centenas de outros teríamos de ter amigos no meio, para poder vencer e viajar, vencer e viajar, vencer e reentrar no vicioso ciclo. Do I need to say more?...
Como leitora, fui particularmente deliciada com feitios mais densos e adorava as patadas de Torga e Saramago numa horda de jornalistas acéfalos que primam pela tentativa da previsibilidade, ou seja, tudo tem de estar decidido de antemão, eles odeiam ser surpreendidos. Creio, aliás, ser este um dos anátemas do reino da obtusidade e da abulia. É assim com os governos, com os supostos intelectuais, com os supostos cronistas do reino: detestam a originalidade a que hoje se chama em linguagem empresarial "to think out of the box". Até no meio editorial, ninguém "lhes" troque as voltas, ou terão de trabalhar mais e melhor, face a esse grande Adamastor que é o brilhantismo precoce num país revelho, caduco e invejoso. A propósito, leitor que ainda me escuta, algures: já reparou como o vate da Nação fecha "Os Lusíadas"?...
Beijos. Bom fim-de-semana.
26.9.13
28.5.13
A vida corre,
breve e a contento, apesar da espera acelerada pela hora da maior das
verdades. Tudo o mais são futilidades, vazio e dias baços, nos quais as
palavras são cobertas de ouro e esmaltes, como os de Gustav Klimt, que
foi longe, ali mesmo no museu perto de casa, em busca do vale de Ur e
das primordiais de entre todas as civilizações. Ali, cada palavra era tão
acarinhada ao ponto de a escreverem na pedra, lapidar avant la lettre.
23.5.13
... and celebrations, já lá dizia o Cliff Richard(s)
Segundo parece, ontem - que ainda há pouco era hoje! -, dia 22, capicuento e de ar imberbe (o dia, claro! Que também foi claro, com luz a mais, aliás...), cumpriu este blog os seus dez anos, o que faz dele, se não outra coisa qualquer, pelo menos uma criatura imberbe como este dia 22 que há mais de uma hora morreu e já só cumpre calendário... O dia, claro, que o blog está-se nas tintas (sem meias das ditas, pois eu e ele - o blog! - somos de tintas completas, direitas como prumo, ácidas até aos gorgomilos e da cepa antiga) para as regras instituídas e salamaleques afins. Poderíamos - eu e o blog, claro está, limpinho como água (piada com laivos de Portismo, nestes últimos dias em que a nação se clubitizou) - estar por aqui mais uns minutos, mas afinal... para quê? Está assinalada a senectute desta casa azimutal, faroleira (e farelona!) e com gáspea de couro. Soprámos as velas, depois de mais um sopapo no pêlo de um dos gatos que farejam a doçaria maçapanesca e vely coloufull que são estes bolos de hoje em dia - o raio do gato, pensa que é tudo nosso? - e partimos a doçaria com pinta de fête foraine, a qual mordemos (com as ganas de dar é uma trinca ao imbecilóide do gato!) com o afinco de tudo o que é as usual e agora vamos mas é dormir que esta vida anda um nojo... e eu cá levanto-me às seis. Ora então, está devidamente assinalada a efeméride (no seu mais amplo sentido, é-o, que o é, que o é!) e até um destes dias se estivermos (eu e o blog) - com l'cença -p'rái virados. O seu a seu dono. Greetings!
14.5.13
Choverá em breve.
O tempo aqueceu, mas não de mais. As crianças atinam, neste final de ano lectivo, quando se termina de hoje a um mês exacto e a chuva, a bem do meu espírito, ameaça, graças a Deus, os decotes de tanta vendedora ambulante de corpos sem-tom-nem-som, tanta axila malcheirosa, tanto calçado a bater, ríspido, no solo... Que tédio, a estupidez feminina, em vendas de bazar, a vulgaridade tropical de tanta pele à vista. Que será feito da sobriedade? Da discrição? Do recato...?
As pessoas estúpidas (esta palavra diz tudo) não sabem que o são, dizem-me aqui ao lado. Por tentativa e erro, aprendo a não ser tão expansiva como esta mulher mais velha que me fala, conformada, pois sei que excepto em casos raros - nos quais todas as palavras são desnecessárias pois o comprimento de onda é similar, bem como os estados de alma - o nosso interlocutor pensará que é a ele que nos referimos. Sendo esse interlocutor versado nos vários níveis da idiotia, ficará a pensar, forçosamente, que nível terá de atingir para ser tão estúpido como o que acaba de o ofender, por se atrever a dizer a verdade... Conversas estéreis, portanto, de gente que não sabe ler olhos nem atitudes e se limita ao óbvio.
Prefiro, de longe, aquilo que me chegará com a chuva que aí vem: corpos menos expansivos e ostensivos, com menos odores, gente menos relaxada, mais metida com afazeres do que com as alheias medidas corporais ou de intelecto.
A chuva, sábia, igualitária sem panfletos nem luzes de bazar a comprovar da sua utilidade a vários níveis, obriga a baixar olhares, em pestanas onde as gotículas impedem uma postura arrogante, gente entrevista apenas por entre guarda-chuvas, a sobriedade das roupas que envolvem, resguardam de olharapos, aperfeiçoam objectivos, porque há lugares onde ir, a esplanada enoja, os outros, todos os outros têm pressa, sempre muita pressa de fugir a uma das mais belas manifestações da natureza...
Fico-me com a chuva, desejada, imperiosa na sua subtileza, poética na forma. De uma só vez, todos somos sábios como idosos, pensativos como filósofos, mas fugazes, breves como crianças em transgressão: mais genuínos, em suma. Acredito piamente que a chuva é sempre o nosso melhor lado.
8.1.13
«Uma Agulha num Palheiro»
...
Então, dei por mim a pensar que os americanos (os dos E.U.A., pelo menos, aqueles de cuja way of life levamos, ao longo de uma vida, monumentais, cavalares injecções na panóplia de filmes que acabam sempre dentro das 4-5 fórmulas do costume) nunca prescindiram do bem a vencer em quaisquer circunstâncias nem de bandeiras hasteadas e apregoando alto que aquela é "a terra" onde TUDO o que seja devorável, por infantil, funcionará sempre.
Uma das maiores desilusões dos últimos tempos: Uma Agulha num Palheiro, de J.D. Salinger. No original, Catcher in the Rye - título supostamente inspirado num poema de Robert Burns, mencionado na conversa entre Holden e Phoebe - consegue receber (em mais uma ridícula tradução à letra dos sempre estranhos brasileiros) o estranho título de «O Apanhador do Campo de Centeio»...
Trata-se de mais uma daquelas histórias plenas das deambulações de um ser humano perdido entre as suas mal refreadas emoções e a realidade pesada e repetitiva. Mais uma luta contra o tédio. Assim será a chamada "obra-prima" de Kerouac, assim são todas as obras de Paul Auster, assim é o insuportavelmente redundante Pelo Mundo Fora, de Julia Glass: previsíveis, inacreditáveis acervos de todos os lugares-comuns da ment(alidad)e americana. Aconteça o que acontecer, haverá sempre uma justificação para tudo, uma desculpa para tudo, como se não passassem de crianças sem preparação para as desilusões e tivessem de ser compensados por todos os males que a História lhes reserve. Doentiamente psicanalíticos, preocupados com explicações para todos os seus comportamentos, Woodyallenescos em tudo, excessivos no que não importa, histriónicos até ao doloroso. Por aí passa, de certeza, a relação deste povo com a comida, com a crença psicótica no poder das armas, com a necessidade de expor toda a "roupa suja" familiar, voire íntima, em bares, seja a conversas de amigos ou de novos conhecimentos. Não se aguenta (de) tanto egocentrismo. Pude verificar de perto: como aluna Erasmus, enojava-me a obsessiva necessidade (o show-off) de centralizar TODAS as atenções dos meus colegas dos Estados Unidos... Tóxicos. Bebés à procura da chupeta, berrando em todas as direcções, tão bem intencionados que qualquer filme europeu os deixaria, soçobrantes, colados a crises existenciais para as quais nem saberiam, sequer, formular as perguntas. Há pouca realidade em toda aquela gente, como se todos nos gritassem, sistematicamente: «Alguém pode esbofetear-me para que me controle, por favor?»...
Ou o meu cinismo europeu não me permite ver a suposta grandeza destes autores e de todo um star system baseado em falsas questões e premissas, ou a literatura desta gente é uma monumental (com (vossa) licença) merda!... Gira tudo à volta dos mesmos melosos temas, tal como praticamente toda a música sussurrada ou sambada do Brasil soa a melosa batalha hormonal, a pernas que não permanecem juntas por muitas horas, tudo esbarra no enojante tema do "ámôrr", tudo é tão forçado e redundante que nos perguntamos se alguns dos habitantes do território resistem sem pastilhas para o enjoo, tal é o bombardeio sobre os sentidos. Verdadeiros insultos à crueza do intelecto e maneiras de sentir de milhões de europeus que, mergulhados na lucidez, só podem afastar de tudo isto o seu gosto pessoal com náusea.
Claro que eu também posso ser tão inculta que só entendo a crueza e gosto duvidoso da pintura de Picasso depois de ter me terem sido ensinados os motivos para o seu ódio ao que mais amava, as mulheres, ou depois de me terem sido explicadas as fases "Rosa" e "Azul"... Será defeito meu, mas sempre que ouvir uma suposta "estrela" de Hollywood dizer que o livro que mais o/a marcou foi o supracitado de Salinger, acrescentando que foi ele que os levou a ler Somerset Maugham ou The Great Gatsby, torcerei nada mais, nada menos que o meu sensível nariz europeu e, tal como o protagonista da obra, trarei à tona o sarcasmo e o ódio a quase tudo o que me rodeie de imbecil, dizendo como o polícia ou o empregado de hotel no filme "O Turista": americanos...
14.11.12
Eles "andem" aí, mas nem se nota...
Quando se precisa que o homem nos anime, nos faça reclinar e mostrar toda a bela dentuça, reciclar o corpo com a gargalhada franca e cristalina de uma graça encontrada numa das frases da masculina espécie, nada... Afinal, eu é que preciso de sair deste zeitgeist em que a conjuntura me afundou, eu é que preciso de rir, de lhe agradecer por me ter feito "desopilar o fígado", por me ter iluminado o rosto, por ter trazido à luz do dia a gargalhada que por um ou outro motivo, afogo na garganta!
É deste homem e é dos outros com os quais vou cruzando - nos vários lugares e papéis sociais que a vida nos vai, a todos, pondo no caminho - que quero a obrigatoriedade de me provocar o riso. Afinal, não é esse um dos pilares da conquista da inexpugnável fortaleza feminina, o humor?
Arrepelam-se-me os cabelos quando sou genuína, digo o que penso e quero, tenho fúrias contra os maçónicos do costume, reparo em situações altamente ridicularizáveis do mundo que me cerca, rasgo o dia com veia satírica e um qualquer homem presente - às vezes, até "o meu", rai's o partam! - diz, entre gargalhadas:
- Ah ah ah, és tão engraçada!
E vêm depois os psi-qualquer-coisa (...tacídeos?) dizer
- Ah, e tal, o "humor masculino"... bzz.. bzz... bzz... bzz... bzzz... ...zzzzzzzzzzzzzzzz
25.10.12
31.8.12
6.7.12
Associo estes sabujos filhos duma grande mãe pária que querem escrever num Português abortado a que falsamente chamam "Acordo" a "portáteis" cobertos de imundície.
Nestas reuniões finais reparo como, sob os reflexos solares, os computadores - que tantos colegas carregam como se ali levassem um diamantino estatuto social - estão cobertos de... esterco: dedadas de muitos meses, pingos de saliva perdigotados quando muitos deles gostam de se ouvir em português dúbio, submerso em calão e "tiques", crostas várias, uma poeira imensa... Sempre associei a falta de higiene a esparsos equilíbrio, abertura mental e, principalmente (...not least, claro!) a pouca clareza espiritual. Porque associei sempre as piores pessoas à sujidade? Porque assim me tem sido dado comprovar: quem é porco, é porco em tudo!
Zumbe-me aqui, entre os (cumpre-me acreditar!) vários neurónios, uma certeza desde sempre: os abertos à novidade do costume são todos estes: com a adaptabilidade dos primatas que procuram apenas sobreviver, fica-lhes o discernimento tão raso que facilmente se entortam, enlameados, na senda dos muitos do mesmo lado, identificam-se demasiado cedo com o todo, o comum, a correria desenfreada para todos os lugares sem nunca se entregarem à chegada onde quer que seja... Avessos ao simples acto de pensar e sopesar o seu papel social, esquecem que os alunos aprendem com eles: a abrir uma porta sem que qualquer pé seja para aí chamado, a devolver uma cadeira ao lugar quando a usámos, se possível sem fingir que somos um dorido semi-deus carregando o mundo, a limpar as superfícies onde os milhões de bactérias acumuladas são uma prova civilizacional de falta de tudo.
Antigamente, falava-se de "brio", dantes, quando tudo era importante e ninguém tinha de fingir pressa para fingir competência ou domínio... Agora, há demasiado de tudo: ruído, sujidade, objectos a mais, movimentos rítmicos de pernas que personificam como "inquietas", moedas que matraqueiam balcões, canetas que espetam mesas, despudor no verbo e no traje, dedos em riste a pessoas que apenas cruzaram a mesma estrada e não gostam de símios ao volante, vacuidade, insegurança, medições de força várias (neste domínio, as fêmeas dão cartas), medos... justamente quando se trabalhou tanto para que nada disso nos importunasse... Não é irónico?
A todos esses males, associados a governos de "elites" atamancadas e ignóbeis em quase tudo associo eu esta vaga desdesodorizada e populista, lulasilvista e dilmaroussefiana, socretina, passoscoelhana, cavaquista, soarista, santanalopiana et allii do "acordo ortográfico", que é uma mentira em duas palavras, de uma só vez. Porcaria, insanidade, pressa de conseguir chegar algures, mas sempre com meta cifroniana, uma espécie de etnia espacial que roça o bolbo raquidiano do homo neandertalensis... Mas... para onde caminha esta "civilização"?...
Tanta tecnologia e tanto retrocesso; tanto estatuto e tanto lixo; tanto futuro e tanta bestialidade...
O português abortivo que por aí circula roça a insalubridade do esgoto a céu aberto, a indigência mental, a mendicidade civilizacional, o fim de tudo o que conheci e me foi dado amar de equilíbrio e rigor. Mas haverá alguém no seu perfeito juízo que ponha p'rái umas subversivas bombas de indignação rastilheira de "não-cumpros", que enfie uma simbólicas baionetas em meia dúzia de panças abonadas à estatal teta, que perceba que isto é o fim de um estado-nação, se é que este solo ainda lhe merece o nome? MAS QUE RAIO DE PÁ(T)RIA É ESTA?
Tanto portátil, tanto cromado, tanto pó compacto perfumado... e tanta imundície endógena e exoesquelética!... Terei de ver tanta gente lúcida continuar a escrever que, 500 anos depois, Portug(ra)al se submete ao "crioulo" do Brasil?... Haja higiene!
15.5.12
As aulas acabaram. A escola prepara-se para novo dia, é limpa, fechada, silenciada. Só, neste espaço que escolhi, concluo - definitivamente e, por definição, sem retrocessos - que por vezes, há mesmo uma esmagadora quantidade de sorte imbuída nas escolhas que fazemos. Aqui, sou feliz. Sorrio, em honra disso. E também esta ausência tardia dos risos das minhas crianças é boa. É a isto que se chama paz?...
3.5.12
Saga Millennium (ainda a)
Entre o dia 24 de Abril pelas 22 e hoje pelas 14 li, compulsivamente - e sempre que a narcolepsia e o trabalho voraz mo permitiram - a Saga Millennium, de Stieg Larsson: Os Homens que Odeiam as Mulheres, A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo; A Rainha no Palácio das Correntes de Ar = 551 + 623 + 732 páginas.
Tudo analisado - sem os insuportáveis rodriguinhos da chamada "literatura portuguesa", aos quais escapam os excelentes Richard Zimmler e João Tordo - e desde que me veio parar às mãos o filme (versão Hollywood) "The Girl with the Dragon Tattoo" (Os Homens que Odeiam as Mulheres) com a brilhante neo-punk Rooney Mara (Ooh, gab'ardeen'!...) - a obra resume-se na página 668 (quase, quase, o "número da Besta"!) do 3º volume:
«Vistas bem as coisas [boa tradução, mas eu teria trocado o "bem" pelo "vistas", passe o horrendo lugar-comum, algo que odeio!], o tema desta história não são espiões nem segredos de Estado, mas a violência exercida contra as mulheres, e os homens que a tornam possível».
Priceless!
Agora, há que ver o filme-versão sueca, antes que Hollywood (me) deturpe os factos do livro, com a parte II da Saga. Descansa em paz, Stieg Larsson. Também eu te amo à distância. Tal como os parisienses fizeram com o nome do esmagador Tolkien, talvez eu escreva nas paredes do Metro: Larsson Lives!
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